Páginas

terça-feira, 3 de janeiro de 2023

Fuga para a Vitória

Motivado pelo atual momento de repercussão da morte de Pelé, assisti no catálogo da HBO Max ao filme "Fuga para a Vitória", estrelado por ninguém menos do que o Rei do Futebol. O filme é de 1981 e foi dirigido por uma lenda do cinemão norte-americano, John Huston. No elenco, além de Pelé, o filme conta com Michael Caine e Sylvester Stallone. Embora seja um filme-curiosidade e um lado B da filmografia de seu diretor, cujo fato mais relevante associado à obra seja a participação do maior jogador de todos os tempos no elenco, o filme guarda qualidades e uma trama até mesmo envolvente, que me surpreendeu em alguns aspectos.

"Fuga para a Vitória" conta a história fictícia de um jogo amistoso de futebol idealizado por um militar nazista, bem no meio da Segunda Guerra Mundial, entre a seleção nacional alemã e um apanhado de militares prisioneiros em um campo de concentração. O jogo tem o objetivo de ser uma espécie de propaganda para o regime nazista, buscando fortalecer a imagem da poderosa Alemanha de Hitler como uma potência não só militar e econômica, mas também esportiva. Como um dos prisioneiros do campo de concentração onde se passa a história é um ex-jogador da seleção britânica de futebol, vivido por Michael Caine, este homem é designado como treinador do time, composto apenas por soldados prisioneiros, todos eles interpretados por jogadores reais, alguns deles verdadeiras lendas do futebol mundial, exceto pelo personagem de Stallone, o goleiro da seleção.

Embora seja um filme de esporte, a preparação do time pouco importa para a trama, bem como o desejo dos jogadores de saírem vitoriosos da partida. A motivação principal do treinador vivido por Caine e o rebelde goleiro-Stallone é conduzir o time para uma espetacular fuga no dia da partida, a ser realizada em Paris. Por essa razão, o filme, ao contrário da maioria das obras que relacionam esporte e política, tem pouco apego aos discursos motivacionais e ao ímpeto pela vitória de seus heróis, salvo pelos momentos finais, quando a fuga deixa de ser mais importante do que o desejo de derrotar os nazistas. Boa parte da obra se concentra no suspense da preparação do plano de fuga, conduzido por Stallone.

Pelé certamente foi escalado no filme como uma cereja no bolo recheado de grandes jogadores que toparam fazer parte do elenco, uma jogada de marketing, mas também uma maneira eficaz de dar às cenas do jogo de futebol brilho e realismo. Naturalmente, como Pelé era o maior de todos eles, o ator-jogador ganha destaque na trama, possuindo mais falas que os colegas. Uma das cenas marcantes é a em que Pelé aparece pela primeira vez no filme, se apresentando como Luís, um prisioneiro de Trinidad que aprendeu a jogar bola com laranjas, uma história que nada tem de surreal quando conhecemos a trajetória não só de Pelé, mas de boa parte dos grandes jogadores de futebol nascidos no Brasil. O Rei não apenas atuou no filme, o que compreensivamente exerceu com certa dificuldade nas cenas em que possui textos mais longos, mas também coreografou as jogadas ensaiadas da partida clímax da obra.

"Fuga para a Vitória" faz parte da história do cinema e da vida de Pelé e é um bom filme esportivo, com um intenso final que me lembrou "Invictus", filme de Clint Eastwood de 2009, cuja associação entre história, política e esporte são os motores de ambas as obras. Faz parte do folclore do filme a história contada pelo próprio Pelé de que Stallone seria o herói no texto original e que marcaria um belo gol de bicicleta na cena final, um projeto que não saiu do papel quando descobriram que Stallone era péssimo jogador. Esta anedota acabou sendo inserida no próprio roteiro da obra quando vemos diversas referências ao pouco talento de Stallone no futebol. Outra história curiosa, também contada pelo Rei, foi a inesperada terapia recebida nos bastidores por Pelé por parte de seu diretor John Huston, que lhe deu conselhos amorosos quando o casamento do jogador brasileiro estava prestes a ruir naquele ano de 1981. 

Analisando a vida de Pelé, percebemos que o jogador tinha uma grande inclinação para a arte, compondo músicas, atuando em diversos filmes e produções televisivas, como se o futebol não fosse o suficiente para preencher dentro dele tudo o que lhe cabia neste mundo. No filme, quando Pelé salta para dar sua bicicleta na cena final, vemos a câmera de Huston oportunamente captar em câmera lenta um ator-jogador fazendo aquilo que mais sabia na vida, marcar belos gols. E, também no cinema, um gol de Pelé jamais poderia deixar de ser eternizado. Imagino como Huston se sentiu ao dirigir e filmar artisticamente um gol do maior jogador de todos os tempos. Por essa razão, assistir "Fuga para a Vitória" é uma forma de testemunhar a grandeza de um jogador, cuja importância se estendeu para todos os campos da cultura mundial. Mesmo com Huston, Michael Caine e Sylvester Stallone, ao final você sempre se lembrará da obra como "o filme do Pelé". 

domingo, 30 de maio de 2021

Convenção das Bruxas (2020)

b
Anne Hathaway comanda o coven de bruxas em uma convenção no interior dos Estados Unidos

A pandemia prejudicou bastante a distribuição de "Convenção das Bruxas", filme de 2020 dirigido por Robert Zemeckis. Aqui no Brasil o filme quase passou despercebido, ausente das salas de cinema, em sua maioria fechadas por conta do COVID-19, e também das plataformas de streaming, provavelmente por causa da HBO (que ainda não tem um serviço de streaming pra valer no nosso país). Por esta razão, creio que, no Brasil, o público infantil a que a obra se destina praticamente desconhece essa nova adaptação cinematográfica do livro escrito em 1983 pelo britânico Roald Dahl, lendário autor de histórias de fantasia que incluem clássicos da literatura infantil como "A Fantástica Fábrica de Chocolates" e "Matilda", ambos levados com êxito para o cinema.

É bastante irônico que o "Convenção das Bruxas" de 2020 ainda seja pouco conhecido aqui no nosso país, principalmente porque a primeira adaptação do livro para as telonas, de 1990, fez muito sucesso na televisão e nas vídeo locadoras brasileiras. Eu que fui criança na década de 90 aluguei repetidas vezes o filme em VHS, que me assustava bastante sempre que o assistia. Apesar do sucesso, a verdade é que esta primeira adaptação também passou muito tempo sumida da televisão, aparecendo de vez em quando na Netflix e tendo sido lançada em DVD (creio que pela primeira vez no Brasil) somente há pouco tempo. O filme de terror infantil de 30 anos de idade e com pouco alcance para as crianças de hoje em dia deve ter despertado interesse em Hollywood, que farejou grande potencial em readaptar a história de Roald Dahl para o cinema, com produção de Alfonso Cuarón e Guillermo del Toro, este último grande entendedor de cinema de horror e de fantasia.

Nesta versão de 2020 os protagonistas são negros, uma novidade em relação ao filme de 1990.
 

Eu não li a obra "As Bruxas", de Roald Dahl, que serviu como base para adaptação do roteiro do filme, mas creio que o livro original foi tratado com certa fidelidade nesta versão, pelas muitas semelhanças no enredo quando comparado com o filme de 1990. A história é basicamente um conto sobre um pequeno jovem órfão criado pela vó, uma senhora de grande conhecimento sobre bruxaria e que buscando proteger o seu neto ameaçado o leva para passar uns dias em um belo hotel no interior dos Estados Unidos. Embora vó e neto acreditem estar protegidas no luxuoso hotel, acabam descobrindo uma infeliz coincidência: o local está sediando uma convenção de bruxas. A grande releitura desta versão de 2020 é trazer para o filme uma questão racial, porque neste filme os protagonistas (vó e neto) são negros e há uma superficial abordagem da perseguição das bruxas como uma fixação racista e eugenista contra crianças pobres.

A abordagem racial é, no entanto, limitada, e qualquer possível relação entre as bruxas em convenção e uma seita racista são descartadas quando descobrimos que há no coven (nome genérico pra agregação de bruxas) mulheres negras que, ao que parece, não estavam infiltradas na Klan. Uma boa oportunidade perdida pelos roteiristas, mas paciência. Falando em oportunidade perdida, outra bola fora do filme de 2020 tem nome próprio e se chama Anne Hathaway. A atriz nova iorquina vencedora do Oscar e uma das mais talentosas de sua geração certamente não convence no filme interpretando a antagonista da história e a personagem potencialmente mais emblemática da obra: a Grande Bruxa. Falta maldade nos olhos da personagem, falta uma caracterização repugnante que a faria amedrontar até os adultos e o pior: sobra uma interpretação caricatural de uma bruxa com um datado sotaque de leste europeu (embora no filme se diga que ela tem origem na Noruega), incapaz de impor respeito até mesmo a um rato, literalmente.

A personagem interpretada por Octavia Spencer tenta ajudar o trio de ratinhos.
 

Falando em rato, "Convenção das Bruxas", a versão antiga ou a nova, é um filme de ratos falantes. É um filme de bruxa, com certeza, mas é também uma daquelas comédias com ratinhos que falam e fazem trapalhadas. E neste ponto devo dizer que o tempo e o avanço da computação gráfica favoreceram a história contada em forma de filme, já que nesta versão o diretor Robert Zemeckis soube trabalhar muito bem as cenas de ação protagonizadas pelos ratos computadorizados. Pra dizer a verdade, as cenas com os ratos são as melhores do filme, assim como a boa interpretação de Octavia Spencer (uma atriz muito acima deste papel, é verdade) e do jovem protagonista que curiosamente no filme não tem nome nenhum. Por outro lado, outra bola fora de "Convenção das Bruxas" foi a questionável escolha por uma narração em off da história pelo ator Chris Rock, o que dá ao filme a todo o momento o clima de um longo episódio de "Todo Mundo Odeia o Chris", só que em uma versão especial (e muito menos humorada) de Halloween.

Até agora evitei falar muito sobre a primeira versão do livro para o cinema, a de 1990, mas creio que será inevitável para concluir a minha opinião sobre o filme de 2020. Embora esta nova versão não seja propriamente um remake, já que a história original é um livro, entendo que este tipo de atualização seja necessária e até mesmo inevitável conforme o tempo passa, a tecnologia avança, os valores mudam e outras pautas se tornam mais urgentes. Acontece que nesta releitura da história do século XXI, desapareceu a dosagem entre o humor e terror que marcava tanto o filme de 1990. Um exemplo é que na versão de trinta anos atrás o recepcionista do hotel era interpretado por Rowan Atkinson, um ator que fazia de seu personagem alívio cômico para as cenas verdadeiramente repugnantes dominadas pela vilã interpretada por Anjelica Huston, que soube criar uma Grande Bruxa que era a alma do filme. A vilã no filme tinha uma aura ao mesmo tempo sexy e perversa, mesmo isso soando muito estranho pra um filme infantil, mas que literalmente hipnotizava as crianças espectadoras, especialmente na brilhante cena em que ela revela pela primeira e única vez o seu verdadeiro rosto para as colegas de convenção.

Anjelica Huston como a Grande Bruxa da versão do filme de 1990.

A figura de uma vilã verdadeiramente assustadora faz com que um filme de terror infantil tenha muito mais valor, já que coloca o seu público em permanente estado de tensão com a possibilidade de seu súbito aparecimento. A versão do filme de 1990 consegue nos fazer enxergar uma criança em apuros, amedrontada pelo conjunto de bruxas terríveis que a perseguem. A adaptação de 2020 amaciou bastante qualquer pretensão que "Convenção das Bruxas" pudesse ter como um filme de terror e o reduziu a uma aventura bem humorada com uma antagonista fraca e sem brilho. Pode ser que as crianças de 2021 prefiram a nova versão, mais bem produzida e ressignificada, mas a verdade é que o cult infantil com Angelica Huston é o que provoca aquele que é o maior objetivo de todos os filmes de terror: o medo.

quinta-feira, 30 de abril de 2020

Contatos Imediatos do Terceiro Grau


Embalado pelo imenso sucesso de "Tubarão" (1975), o melhor filme de sua carreira até então, Steven Spielberg estava no ano de 1976 com a moral elevada e carta branca garantida em Hollywood para que os estúdios financiassem qualquer projeto seu. Foi assim que o diretor norte-americano tirou do bolso um roteiro antigo, escrito antes mesmo de Tubarão, e apresentou o rascunho para a Columbia Pictures, que na mesma hora decidiu bancar o plano maluco de Spielberg para contar uma história original de óvnis, quando o assunto nem era tão badalado assim no cinema comercial.

Esta é, basicamente, a origem do nascimento de "Contatos Imediatos do Terceiro Grau" (1977), um dos filmes de ficção científica mais reverenciados da história do cinema, lançado no mesmo ano do primeiro episódio de "Star Wars", de George Lucas, outro grande sucesso do gênero.

J. Allen Hynek, o ufologista que influenciou Spielberg e o título de seu filme.

As influências de Spielberg na criação da história do filme tiveram origem em experiências que teve quando criança, ao avistar uma chuva de meteoros com seu pai, e uma crescente fixação pessoal do cineasta por ufologia na sua vida adulta, inspirado principalmente pelo trabalho do astrônomo J. Allen Hynek (que cunhou o termo que dá origem ao título e até fez uma pontinha como ator em uma das cenas finais). Segundo Hynek o "contato em terceiro grau" seria o ato de ver pessoalmente um alienígena ou um objeto não identificado.

É exatamente isso o que acontece com o protagonista do filme de Spielberg, Roy Neary, um sujeito pacato e simplório que acaba tendo contatos diretos com uma nave alienígena, se tornando um homem muito perturbado psicologicamente depois desta experiência. Roy decide abandonar sua família em busca de contato com os extraterrestres e tem em sua missão uma companheira, Jillian, cujo filho também teve experiência semelhante e parece obcecado em partir para o céu com os novos visitantes.

Roy, interpretado por Richard Dreyfuss, na famosa cena do purê de batata.

Para compor o seu elenco, Spielberg chamou Richard Dreyfuss para o papel principal, após a negativa de Steve McQueen, Dustin Hoffman e Al Pacino. A escolha por Dreyfuss se deu por duas razões principais: a experiência prévia com o ator em "Tubarão" e a insistência do artista por este trabalho, já que o próprio Dreyfuss sempre acreditou que o papel do protagonista Roy deveria ser feito por um sujeito comum, um tipo que ele sabia encarnar muito bem. A verdade é que a escolha me pareceu irrelevante, porque o personagem de Roy é tão pouco cativante que dificilmente outro ator mais competente à época poderia salvá-lo.

A grande surpresa no elenco é certamente François Truffaut no papel de um francês intelectual que faz a mediação entre o governo dos EUA e os extraterrestres visitantes. Digo que a presença de Truffaut é surpreendente não porque ele esteja bem no filme (e está), mas sim porque é difícil compreender por qual razão um dos diretores mais importantes do cinema universal toparia um trabalho como ator em um filme de Spielberg (que à época era somente um diretor em ascensão). A verdade é que o amor de Truffaut pelo cinema certamente motivou a sua presença nos estúdios de Hollywood, para testemunhar de bem perto aquilo que ele sabia que se tornaria um grande sucesso comercial. Truffaut morreu precocemente alguns anos depois. Uma pena.

Truffaut (45 anos) e Spielberg (21 anos) no set do filme.

Uma das novidades do roteiro de "Contatos Imediatos do Terceiro Grau" foi a abordagem da questão UFO de maneira bastante conspiratória, algo que se notabilizaria no enredo de muitos outros filmes e séries de TV dali adiante. Há uma relação bastante diferente entre a reação da sociedade civil ao avistar os óvnis (em êxtase e deslumbre) e o governo, que procura a todo custo uma forma de esconder da população os eventos de contatos com os extraterrestres.

Esta insistência dos roteiros de filmes de óvnis na abordagem conspiratória é um pouco confusa, porque na maioria das vezes os cineastas não explicam exatamente qual o motivo do governo-vilão negar ou desacreditar naquilo que as pessoas testemunharam. Este é um dos pontos mais contraditórios do filme de Spielberg, até porque o filme é otimista e mostra o contato entre terráqueos e alienígenas de maneira pacífica e até muito bonita.

Devils Tower, no Wyoming.

Já que entrei no assunto do contato entre os seres de diferentes planetas, a música é um elemento muito importante no filme. A trilha composta e escrita por John Williams é uma personagem à parte na história, não somente pela beleza das composições, mas porque as notas musicais são o instrumento de contato entre os humanos e os extraterrestres, especialmente cinco notas que funcionam como um "olá" na famosa cena em que a nave-mãe dos alienígenas desce em uma base montada pelo governo no Wyoming, às margens da "Devils Tower", um monumento natural dos EUA.

Falando nesta cena, é incrível a maneira como Spielberg faz a nave surgir do chão (o que poderia parecer um disparate do ponto de vista da verosimilhança), mas que funciona perfeitamente bem para nos impressionar com a grandeza e beleza do meio de transporte dos extraterrestres. Segundo conta o diretor, a concepção visual da nave foi inspirada nas estruturas metálicas de uma usina na Índia e as luzes foram inspiradas na Mulholland Drive, em Los Angeles.

O visual do extraterrestre em "E.T.", de 1982, é uma evolução do conceito de "Contatos".

O céu e as cores de "Stranger Things", série de 2016, lembram bastante a fotografia de "Contatos", de Spielberg.

Cena de "Contatos Imediatos do Terceiro Grau" - o céu foi criado através de experiências com fluidos fotografados


Os efeitos especiais e visuais do filme foram o seu grande legado para a história do cinema e são certamente o ponto forte do filme. Os artistas por trás dos efeitos foram os mesmos que trabalharam em obras célebres da sétima arte, como "2001", de Kubrick, "King Kong" ou mesmo "Star Wars". Para filmar a cena final, Spielberg precisou construir o maior estúdio coberto da história do cinema (à época), um feito que acredito não ter sido superado por nenhuma outra obra posterior, até porque o uso amplificado da computação gráfica acabou reduzindo a necessidade de criação de instalações reais tão completas e detalhadas.

O filme na verdade já trabalha com os primórdios da computação gráfica, ao mesclar com sucesso pinturas, maquetes e criar ambientes verdadeiramente mágicos através de truques de câmera que Spielberg sempre dominou muito bem. Apesar do roteiro fraco, com personagens e uma história pouco convincente (especialmente por causa de Roy), "Contatos Imediatos do Terceiro Grau" entrou para a história como um precursor de seu gênero. Spielberg refez o filme alguns anos depois, acrescentando algumas cenas e cortando outras, deixando uma versão do diretor como definitiva para quem deseja curtir o filme.

Visualmente falando, o seu filme influenciou muitos outros trabalhos, desde "E.T." (1982) até obras recentes, como a série "Stranger Things". Não crie muitas expectativas quanto à história, mas aprecie os efeitos visuais deste sucesso de 1977. 

quarta-feira, 29 de abril de 2020

Scoop - O Grande Furo



"Scoop" é uma comédia de 2006, dirigida e escrita por Woody Allen. O longa faz parte dos filmes "mágicos" do diretor nova-iorquino, com uma história divertida e simpática. Quando o assisti pela primeira vez, classifiquei o filme aqui no blog como "bobinho", adjetivo que continuo usando, mesmo que dessa vez com uma conotação positiva. Porque é realmente isso o que filme é: uma comédia despretensiosa.

Embora boa parte da crítica tenha achado e ainda ache o filme aquém da qualidade do seu diretor, acredito que "Scoop" se insere perfeitamente bem na coerente filmografia de Woody Allen, que sempre teve um grande apego pelo mistério, pela fantasia, pela comédia de erros e, é claro, a ideia do crime (quase) perfeito, como em "Crimes e Pecados" (1989) e a sua versão repaginada, "Match Point" (2005), ambos já comentados aqui no blog.


Scarlet Johansson em cena de "Matchpoint" (2005). Além deste e "Scoop", a atriz participou ainda de outro filme de Woody Allen: "Vicky Cristina Barcelona".

Cena de "Crimes e Pecados" (1989), uma obra sobre assassinato e culpa.

Scarlet Johansson e Hugh Jackman, na cena da piscina, em "Scoop".

No filme, temos Sondra, protagonista interpretada por Scarlet Johansson (sempre muito bem e versátil), em um papel um pouco diferente da femme fatale que lhe é característica. Sondra é uma aspirante a repórter visitando Londres para entrevistar um figurão na cidade (episódio convenientemente repetido no último filme de Allen, "Um dia de Chuva em Nova York"). A entrevista acaba dando errado e, enquanto assiste a um show de mágicas do excêntrico "Splendini", interpretado pelo próprio Allen, Sondra acaba tendo contato com o espírito de um jornalista morto, que dá a ela um grande furo de reportagem sobre um célebre assassino de Londres. Sondra então decide ir atrás do serial killer, que acaba se revelando um improvável gentleman interpretado por Hugh Jackman (fazendo uma versão recorrente de "homem burguês" do cinema de Allen).

Woody Allen interpreta o mágico Splendini, um presente aos espectadores

Um dos maiores méritos de "Scoop" é a presença do mágico Sid Waterman, personagem de Woody Allen, que é responsável por boa parte das piadas espirituosas do roteiro. Allen e Scarlet Johansson formam uma boa dupla ao interpretar um casal de pai e filha fingindo serem pessoas da alta sociedade norte-americana, coisa que estão muito longe de ser. Enquanto Sondra é retratada como uma repórter pouco inteligente, mas determinada, o mágico Waterman é um coroa extrovertido, de humor ácido e rápido, cuja inconveniência acaba colocando a colega em apuros em diversas situações. Como o filme foi rodado em Londres (fugindo um pouco de Manhattan, onde se passam quase todas as obras de Woody Allen), o humor do filme ganha contornos ainda mais interessantes, à medida que o próprio diretor pode fazer suas brincadeiras - digamos, culturalistas - para alfinetar os britânicos.

Filmado em Londres, o filme se apropria de elementos da cultura britânica, como a leitura dos tablóides

Logo no início do filme, vemos o espírito do jornalista que dá o furo de reportagem à Sondra, em uma cena bastante teatral que remete à barca de Caronte, da mitologia grega. Nós espectadores temos uma visão privilegiada da história, porque não nos resta dúvidas da culpa do personagem de Hugh Jackman. Acontece que Sondra não tem essa certeza e acaba se apaixonando pelo nobre homem inglês. É o seu falso pai quem brinca com isso, quando pergunta o que ela ganhou ao dormir com o assassino, além de uma possível gravidez.

O humor de Woody Allen está presente em boa parte das cenas em que o personagem do mágico pode desfilar um monte daquelas boas e antigas piadas do diretor, que tanto valorizam os seus filmes mais antigos, mas estão tão ausentes em algumas de suas obras mais recentes (mesmo as mais celebradas). Por essa razão, ver "Scoop" é, de alguma forma, se encontrar com o estado de espírito de Woody Allen quando ele ainda não era ainda "apenas mais um diretor cancelado". É um filme que ainda pretendo assistir muitas outras vezes e recomendo a todos os leitores do blog.

segunda-feira, 27 de abril de 2020

O Equilibrista


Este documentário de 2008, dirigido por James Marsh, mesmo diretor de "A Teoria de Tudo" (2014), é a fascinante história do equilibrista francês Philippe Petit, que em 1974 realizou um dos feitos mais inacreditáveis que um homem jamais alcançou: ele cruzou, sem equipamentos de segurança, as duas torres gêmeas do World Trade Center, através de um cabo de aço artesanalmente instalado na cobertura dos edifícios. E detalhe: de maneira clandestina.

É claro que um episódio tão inusitado e cativante como este acabaria uma hora ou outra sendo contado nas telas do cinema. A primeira vez que isto aconteceu foi com o filme de Marsh, que inclusive venceu o Oscar de melhor documentário em 2009, sendo que anos mais tarde foi lançado o filme "A Travessia", de 2015, contando a mesma história, só que desta vez dramatizada sob direção de Robert Zemeckis (diretor de "Forrest Gump" e "De Volta para o Futuro", dentre outros).

As torres do "World Trade Center" eram os edifícios mais altos do mundo em 1974.

Em "O Equilibrista", a história de Petit é contada pelos próprios personagens que a tornaram possível: Petit, sua namorada e os muitos amigos malucos do protagonista que toparam essa empreitada aparentemente impossível. O ano era 1974 e o jovem Petit, com 25 anos, decidiu concretizar um sonho antigo de sua infância: atravessar as torres gêmeas tendo somente o céu de Nova York sobre a sua cabeça.

Para realizar esta façanha, o equilibrista treinou durante muitos anos de sua vida (porque o desejo era antigo) e preparou com muito estudo e detalhes projetos e maquetes dos célebres prédios de Manhattan, ensaiando minuciosamente cada procedimento que seria necessário para tornar possível o seu intento. Petit tinha ao seu lado um grupo de colegas franceses bastante fiéis, especialmente a sua namorada Annie Alix e o amigo Jean-Louis. Os jovens meio hippies e desapegados treinavam em um campo que deve ser provavelmente o grande quintal da casa de um deles, na França da década de 70, ansiosos para o dia em que tomariam um avião rumo à Nova York.

Philippe Petit em uma de suas "visitas técnicas" ao WTC.

O dia finalmente chegou e Petit e sua equipe (que incluía norte-americanos também) conseguiram entrar dentro do World Trade Center, divididos em dois grupos, um na torre norte e o outro na torre sul do conjunto de edifícios. À época já existia uma segurança reforçada naquele que era um dos maiores símbolos do mercado financeiro e do progresso do capitalismo norte-americano na década de 70, se tornando duas décadas depois uma fixação por parte de grupos de terroristas que pretendiam derrubar as torres, o que efetivamente aconteceu no ano de 2001.

Sabendo disso hoje, é ainda mais incrível ver que um grupo de jovens sem nenhuma experiência prévia em invasões e grandes golpes tenha conseguido se infiltrar no WTC na noite do dia 6 de agosto de 1974, permanecendo escondidos durante boa parte da madrugada até que, após tapear os seguranças, tenham montado o aparato técnico necessário para a travessia de Petit.

Petit na cerimônia da entrega do Oscar, em 2009, ao lado do diretor James Marsh. O filme levou a estatueta de "Melhor Documentário" naquele ano.

O diretor James Marsh conta a história com muita sensibilidade, com uma trilha sonora delicada, alternando imagens reais feitas pela própria equipe de Petit no topo das torres gêmeas, bem como fotografias autênticas e uma dramatização do evento feita por atores com tipo físico e semblantes parecidos com os dos personagens reais da façanha. Há um momento particularmente bonito no filme, que é quando finalmente vemos Petit realizar a travessia no tremulante cabo de aço entre os prédios.

As fotografias e os vídeos reais da manhã do dia 7 de agosto de 1974 são apresentadas ao som da parte 1 da peça "Gymnopédies", do compositor Erik Satie, um momento lindo e emocionante coroado com um depoimento sincero e doce de Annie Alix e sobretudo Jean-Louis, amigo de Petit e um personagem a parte da história, pelo mistério que guarda em suas palavras ao fim do documentário. Creio que a cena da travessia, com sua beleza natural e inusitada, complementada pela atmosfera da música de Satie, seja um dos momentos mais bonitos entre todos os filmes que já assisti.

Petit sendo preso após a travessia. Naquele momento, ele já era celebridade mundial.

Além de ser um documentário sobre a realização de um feito aparentemente impossível para qualquer outra pessoa além de Petit (tanto é que o francês afirma descontraidamente que só decidiu cruzar as torres quando constatou que a ação era inalcançável), o filme nos mostra a determinação de um homem e sua equipe na realização de um feito que em si mesmo não possui nenhuma razão. Petit brinca que os nova-iorquinos, após a travessia, o questionavam o motivo de ter feito aquilo, e para ele esta pergunta representava com perfeição o espírito pragmático do povo americano, em contraste com a sua personalidade francesa sonhadora e lúdica.

O longa também mostra os limites do desejo pessoal e particular de um homem que não conseguiria alcançar aquele feito sem a ajuda de seus amigos, mas que se mostra uma figura um tanto quanto deslumbrada após a conquista de seu maior sonho aos 25 anos de idade, talvez provocando algum ressentimento entre os colegas. De qualquer forma, "O Equilibrista" nos mostra que nem todos os sonhos e ações humanas precisam de uma justificativa racional e que, muitas vezes, a constatação do impossível pode ser motor para grandes realizações.

O Estranho que Nós Amamos


Este é o sétimo filme dirigido pela norte-americana Sofia Coppola, uma das diretoras de cinema mais talentosas dos EUA e provavelmente uma das maiores representantes de sua geração de cineastas. "O Estranho que Nós Amamos", de 2017, foi o longa que lhe deu o prêmio de melhor direção no Festival de Cannes naquele ano, com um roteiro escrito por ela própria, baseado em um romance de Thomas P. Cullinan que já havia sido adaptado para o cinema anteriormente em 1971 por Don Siegel, com Clint Eastwood no papel principal. Enquanto a primeira versão do romance (que não vi) é aparentemente um drama gótico típico de seu diretor, a segunda versão feita por Coppola me pareceu um filme autenticamente concebido sob uma ótica feminina perspicaz e politicamente reparadora.

Sofia começou a carreira como atriz e depois seguiu como roteirista e diretora. Na foto, ela posa com a sua estatueta do Oscar, conquistada com o roteiro original de "Encontros e Desencontros" em 2003.

A história do longa é simples e por si só muito instigante: uma adolescente encontra um soldado inimigo sulista ferido próximo à casa onde mora, bem no meio da Guerra Civil Americana (ou Guerra de Recessão), no século XIX. Comovida com o homem ferido (Colin Farrell), ela decide levá-lo para o reformatório feminino onde mora, um palacete gerido por uma tutora severa, porém humana, onde vivem outras adolescentes.

Esta tutora é interpretada por Nicole Kidman, uma grande atriz em um de seus grandes papéis, que no elenco é acompanhada por outras atrizes importantes, como Kirsten Dunst (em mais uma parceria com Sofia Coppola) e Elle Fanning. Há um elemento sombrio no roteiro, que é o fato de que aquelas mulheres, ao decidirem resgatar o soldado e levá-lo pra dentro de sua casa, acabando acolhendo um inimigo clandestinamente. Graças ao talento da tutora da casa, o homem é curado de uma grave ferida na perna e aos poucos ganha a simpatia das moradoras do local.

Clint Eastwood e Elizabeth Hartman na primeira versão do filme, de 1971.

Como o enredo se passa durante uma guerra, os homens norte-americanos em idade adulta naquela época estavam todos combatendo. Por essa razão, as mulheres da casa estão todas afastadas a um bom tempo de figuras masculinas, seja no sentido paternal da presença de um homem seja no sentido da presença física e sexual, o que naturalmente provoca um rebuliço no reformatório com a chegada do soldado ferido.

Enquanto algumas crianças se mostram fascinadas com a sua figura, carentes de um pai ou um amigo, as meninas mais velhas parecem verdadeiramente apaixonadas por ele, especialmente a personagem de Kirsten Dunst (que é trabalhada com mais profundidade pelo roteiro) e a própria dona da casa, que em pouco tempo já passa a demonstrar simpatia pelo hóspede. O soldado se aproveita da situação e gradualmente manifesta interesse por algumas - assim mesmo, no plural - das mulheres da casa.

Colin Farrell e Kirsten Dunst em "O Estranho que Nós Amamos" (2017).

Aí entra o segundo elemento sombrio do roteiro, para não dizer macabro, que é o fato de que o perigo  inicial do "estranho dentro de casa" acaba ironicamente se convertendo em um risco para o próprio hóspede, que se vê prisioneiro daquelas mulheres por causa de sua condição física e de saúde. E não deixa de ser curioso para nós espectadores que um ambiente aparentemente habitado por mulheres frágeis se torne uma verdadeira fortaleza onde o soldado, por causa de seus desvios éticos e morais, acaba ele próprio se tornando um interno.

Sofia Coppola consegue transmitir aos espectadores, de maneira muito bem sucedida, a sensação de que aquela casa tão ensolarada e bucólica se torna aos poucos um local hostil de onde o soldado dificilmente retornará com vida, pagando pelos seus próprios pecados. E a diretora faz isso através de planos fechados em portas, fechaduras e tomadas recorrentes em que vemos uma das jovens vigiando com sua luneta o entorno do "castelo" onde habitam.

O filme de Coppola tem uma atmosfera sombria e misteriosa. Na foto, vemos as sete mulheres da casa.

O resultado disso tudo é uma história bem contada, com um clima sombrio e melancólico, muito bem filmada pelas lentes de Coppola, com a sua sensibilidade característica como diretora, utilizando-se de métodos e recursos pouco rebuscados para filmar. A trilha sonora, que se limita a algumas músicas tocadas pelas próprias alunas do reformatório e uma canção nos créditos finais, foram executadas pela banda de rock Phoenix (cujo cantor é marido de Coppola).  As gravações internas do filme foram feitas em uma casa de verdade, de propriedade da atriz Jennifer Coolidge (que fez "American Pie"). Os figurinos são muito realistas, inspirados em roupas verdadeiras utilizadas pelas mulheres no período da Guerra Civil e criados por um especialista do MET, de Nova York.

Embora faça parte de um gênero de filmes por vezes criticado, que é o dos remakes, a obra possui um grande valor. Se compreendermos a arte como reparação da realidade, o filme de Sofia Coppola é exemplar à medida que protagoniza as mulheres e dá a elas a oportunidade de não se permitirem serem mortas ou violadas. Recomendado! 

segunda-feira, 20 de abril de 2020

O Fantasma do Paraíso


Precisamos falar de "O Fantasma do Paraíso", um cult movie do cineasta Brian De Palma, de 1974. Este é certamente um daqueles filmes mágicos que só podemos lamentar por não ser tão conhecido do público como deveria ser. O longa é uma mistura de gêneros, uma farofa gótica, futurista, musical e cômica, com inspirações que vão de "Fausto", de Goethe, ao clássico romance francês "O Fantasma da Ópera", de Gaston Leroux. Brian De Palma conseguiu transformar em cinema uma ideia extremamente criativa, improvavelmente original e debochada, demonstrando que o seu talento como cineasta podia prestar um grande serviço à sétima arte quando exercido com autonomia e independência da obra de seus maiores inspiradores.

"Ele vendeu a sua alma para o rock'n'roll". Cartaz de "Fantasma do Paraíso", de 1974.


Em "O Fantasma do Paraíso" acompanhamos as desventuras de um jovem ingênuo, nerd e genial chamado Winslow (William Finley) que compôs uma cantata enorme no piano com a ambição de se tornar famoso com a sua obra. Acontece que o trabalho do rapaz é roubado pelo excêntrico empresário oportunista Swan (Paul Williams), que procura uma composição perfeita para inaugurar o seu novo espaço de apresentações musicais, chamado "Paraíso".

Revoltado com Swan, o músico injustiçado decide ir atrás do empresário, mas acaba preso após ter uma droga plantada na sua roupa. Insistente, ele escapa da prisão, mas sofre um terrível acidente tentando se vingar de seu inimigo. O acidente sofrido por Winslow desfigura metade do seu rosto e compromete a sua voz para sempre. Envergonhado com sua aparência, mas ainda persistente no desejo de vingança, o músico adquire um alter-ego, um fantasma com máscara de pássaro que passa a assombrar o "Paraíso", novo empreendimento de Swan.

O ator William Finley (1940-2012), protagonista de "Fantasma do Paraíso". Ele foi grande colaborador dos filmes de De Palma e estrelou também "Irmãs Diabólicas", de 1973. 

Como deve ser um romance gótico, há no filme uma personagem feminina importante que é, digamos, disputada pelo Fantasma e Swan. Trata-se da aspirante a cantora profissional Phoenix (interpretada por Jessica Harper, atriz fantástica que mais tarde estrelou "Suspiria", de Dario Argento). Phoenix entra na história da seguinte maneira: ela tem uma voz perfeita e o Fantasma decide que somente ela poderá cantar suas músicas.

Como o empresário Swan tem o dedo bastante podre para escolher os talentos artísticos que ele agencia, Phoenix não é a sua primeira opção, o que provoca a ira do Fantasma. Swan, como todo empresário musical rico e egoísta, assina um acordo com o compositor injustiçado e Phoenix: ambos vendem suas almas em troca do sucesso, sujeitando-se aos desejos extravagantes do músico, caricatamente interpretado por Paul Williams (ironicamente um compositor profissional de renome que não costumava fazer cinema até então).

O renomado compositor Paul Williams, que atuou como vilão do filme e escreveu as músicas de "Fantasma do Paraíso".
Jessica Harper, em cena do filme. A atriz tinha 24 anos e em 1977 seria a protagonista de "Suspiria", de Dario Argento, um dos maiores clássicos do cinema de horror.

Falando em Paul Williams, é de se destacar a magistral trilha sonora deste filme, que não é propriamente um musical no sentido de que a história é contada por músicas, mas sim porque há músicas tocadas durante todo o tempo no longa. As canções "Faust", que lembra um pouco as composições de Elton John, e "Special to Me", com uma pegada "Supertramp", são as minhas preferidas. O filme brinca a todo momento com a ideia da música como produto comercial, capaz de ser transformada em lixo por empresários apenas interessados em lucro.

Esta crítica ao rock'n'roll como show business está presente na maneira como Swan corrompe os músicos que trabalham pra ele e na sua predileção por artistas sem talento, mas que compensam a sua baixa qualidade musical com visuais excêntricos e apresentações festivas. Esta crítica quase chega a dar nome as bois quando percebemos que uma banda de rock agenciada por Swan passa por diferentes fases ao longo do filme: o "iêiêiê", os "beach boys" e um hard rock quase idêntico ao da banda "Kiss", contemporânea deste filme, mas que Brian De Palma jura não ter copiado.

Muito grito e pouco talento. O personagem rockstar Beef foi o prenúncio do que aconteceria com a música nos anos seguintes ao filme.
Até o Kiss não foi poupado da crítica de De Palma, embora o diretor negue a referência e diga que o visual da banda fictícia foi inspirado em "O Gabinete do Dr. Caligari", filme mudo alemão de 1920 (foto abaixo).
Cena de "O Gabinete do Dr. Caligari" (1920).

O filme deixou um grande legado ao cinema, por seu visual queer, pelas influências literárias e pelas interpretações marcantes do seu elenco principal. Eu particularmente me divirto muito com as cenas de Beef, um músico sem nenhum talento que Swan aposta como tendência e sucesso em sua nova casa de shows. Beef é o estereótipo do rockeiro que faz playback, grita e faz careta para o público, mas não sabe cantar e tocar. O Fantasma, ele sim um músico talentoso, não perdoa Beef e acaba enfiando um desentupidor em seu rosto em uma paródia da cena do chuveiro de "Psicose", uma oportunidade de imitar Hitchcock que Brian De Palma não poderia deixar passar.

Aliás, é preciso reconhecer que o trabalho de De Palma neste filme é magistral. O longa foi recebido mornamente quando lançado em 1974, teve boa bilheteria mas enfrentou uma série de processos por plágio, por causa das referências explícitas a outras obras. Mais tarde, acabou sendo reconhecido pela crítica como um cult movie, influenciando o surgimento de obras congêneres, principalmente o clássico "The Rocky Horror Picture Show", de 1975. Um bom filme para colocar em sua lista de cults para assistir!