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quinta-feira, 23 de junho de 2011

Orfeu Negro


Embora "Orfeu Negro" tenha sido produzido e dirigido por franceses, o filme é essencialmente brasileiro. A locação é nacional (Rio de Janeiro), a trilha-sonora é toda composta por lendas da bossa nova e os atores (tirando poucas exceções) são tupiniquins. É difícil assistir ao filme e não se lembrar de "O Pagador de Promessas", não só por serem produções de gêneros semelhantes - o neorrealismo do cinema brasileiro - mas também por terem sido vencedores do mesmo festival francês. Enquanto o filme de Anselmo Duarte nos mostra o drama da religiosidade excessiva e o panorama do sincretismo religioso nordestino, "Orfeu Negro" trabalha com a "felicidade carnavalesca" tipicamente brasileira - efêmera e explosiva - tudo isso em um Rio de Janeiro belo, nostálgico e suburbano.

"A felicidade do pobre parece a grande ilusão do carnaval". A letra de Tom Jobim e Vinicius (cuja música é o tema de todo o filme) sintetiza o roteiro. Baseado na peça escrita por Vinicius de Moraes, o filme não tem a pretensão de contar uma história e entreter o espectador com ela. Diferente das releituras de peças shakesperianas muito comuns no cinema inglês e norte-americano, a adaptação da peça cujo filme foi inspirado é muito mais poética, musical e artística do que um simples "contar de histórias". O que se quer mostrar é a felicidade dos cariocas (e entenda o brasileiro em geral) com o clima de carnaval. Os problemas  da vida cotidiana não fazem muita diferença quando o que se passa na cabeça é qual fantasia vestir ou como tocar um samba no pandeiro. Atualmente essa visão simplista da vida do brasileiro seria inaceitável e rejeitada pelos críticos chatos que insistem que filme nacional não pode mostrar favela, mulheres nuas e samba, mas no período em que foi criado (1959), "Orfeu Negro" foi recebido como uma obra-prima.

Tendo entrado pra história como o primeiro e único filme nacional vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro (a estatueta não pertence ao Brasil, por ser o diretor francês), a obra garante o seu lugar no cinema mundial. A palma de ouro em Cannes e o Globo de Ouro conquistado também colocam o filme em um patamar elevado do cinema latino-americano. Vale lembrar que um dos maiores destaques e méritos do filme é sua intertextualidade com a história mitológica de Orfeu e Eurídice e suas canções que mostraram para o mundo o recém criado ritmo da "bossa nova". Como a música tema nos lembra a todo o momento: "tristeza não tem fim, felicidade sim...". A vida do personagem Orfeu é idêntica a de tantos brasileiros por aí... A ideia final é de que ser carioca e pobre é como um ciclo sem fim, como uma sucessão monárquica, sem as regalias e a pompa inglesa, mas com muito samba no pé. Pena que hoje a "herança" deixada por cada Orfeu morto não seja mais a mesma, os tempos realmente mudaram!

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