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domingo, 1 de fevereiro de 2015

Boyhood


"Boyhood", favorito ao Oscar 2015, é um filme que demorou 12 anos para ser filmado. Isto porque o diretor Richard Linklater acompanhou durante todo este tempo a vida de uma criança, filmando as principais fases de sua vida e roteirizando em uma trama de ficção o crescimento verdadeiro de um ser humano. Quando ouvimos falar desta premissa pela primeira vez, nos parece que o filme é um documentário. Na realidade "Boyhood" é um drama familiar filmado aos poucos, de modo que os seus personagens de fato transformam-se diante de nossos olhos à medida que o tempo passa, o que é assustador e, creio, inédito no cinema. Aliás, não é apenas a criança protagonista que envelhece às nossas vistas, mas também todas as pessoas que a rodeiam, como a irmã, a mãe, o pai biológico, avós e os padrastos. É um espetáculo. Não há muito no roteiro além da história de uma família segregada por um divórcio e que passa por todos os problemas a que estamos sujeitos por estarmos vivos. O protagonista, Mason, transita ora entre a convivência com a mãe e os sucessivos padrastos ora com o pai verdadeiro, um sujeito legal interpretado por Ethan Hawke, que talvez seja a pessoa de maior influência na personalidade que Mason vai adquirir conforme o tempo passa.

É interessante que Mason, interpretado por Ellar Coltrane (nascido em 1994), viveu uma infância e adolescência que muito se identifica com a minha e é curioso enxergar marcas temporais no filme através do desenho animado que assiste, do dia em que compra o livro do Harry Potter em seu lançamento, quando joga Game Boy, Xbox ou quando, mais tarde, faz campanha para o democrata Barack Obama. Tudo isto o insere em um mundo real, que foi o meu e provavelmente também o do espectador jovem. O seu crescimento e envelhecimento não é apenas comportamental, mas também visual, e isto foi feito com primor pela direção, que nos mostra os efeitos da passagem do tempo para Mason de maneira muito sutil, sem que tenhamos a sensação de ter perdido alguma coisa -  e esta é uma das razões para o tempo de duração do filme, que transcorre em ritmo lento e é bastante longo.

O crescimento de Mason e a maneira como sua mãe lida com o seu amadurecimento dá um tom bastante melancólico à obra, principalmente porque nos Estados Unidos o fim do ensino médio coincide com a mudança dos jovens da casa de seus pais, deixando-os sozinhos - o que tem efeito ainda mais devastador no caso da mãe do protagonista, que já havia enviado uma filha para a faculdade e não era mais casada. Esta percepção de que o tempo passa e tem bastante efeito sobre a aparência e comportamento das pessoas é o grande legado do filme, ainda que isto seja muito perceptível em nossa vida real, cotidiana; mas quase sempre esquecido. A obra soa como um alerta sobre a passagem do tempo e a necessidade de viver o que o protagonista chama de agora. A cena final é muito delicada neste aspecto. Não dá pra ser o mesmo depois de assistir "Boyhood".

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