"O Touro Ferdinando" é uma história baseada em livro quase homônimo de 1936, que foi adaptado para as telonas através de um curta de pouco menos de 8 minutos feito pelos estúdios Disney em 1938, vencendo o Oscar de melhor curta em animação do ano seguinte. Por alguma razão os estúdios Disney não tiveram mais interesse na história, até que em 2011 a FOX adquiriu os direitos do livro infantil e decidiu transformá-lo em um longa animado, cuja produção ficou a cargo da Blue Sky Studios, que fez muito sucesso com a franquia "A Era do Gelo". A direção do filme foi entregue ao comando de Carlos Saldanha, carioca que é referência no cinema de animação, e o resultado não poderia ter sido diferente de seu trabalho sempre tão bem executado.
O roteiro de "O Touro Ferdinando" é muito corajoso, por abordar tema polêmico em todo o mundo, que é a verdadeira crueldade da tauromaquia, um costume tipicamente ibérico de perseguir touros e executá-los como se isso fosse um entretenimento. Um ato tão bárbaro como as touradas é proibido em boa parte de Portugal, mas na Espanha continua sendo praticado (exceto na Catalunha), para espanto de toda a comunidade internacional protetora dos direitos dos animais. A animação então decide trazer esta questão novamente à tona para o público infantil, resgatando uma história da década de 1930 para alertar crianças do mundo inteiro que os touros não merecem esse tipo de tratamento desumano. Aliás, cabe ressaltar que o desenho não apenas toca no tema das touradas, mas também no consumo de carne de boi, o que vai deixar muitos pais em situação delicada com seus filhos vendo (provavelmente pela primeira vez na vida) os detalhes das engrenagens de um matadouro.
Ferdinando, o protagonista da história, é um touro que gosta de flores. Imagino que a onda conservadora que assola nosso país não deve ter recebido muito bem essa ideia. Que bom, não é mesmo? Pois Ferdinando gosta de flores, não gosta de lutar e tem como dona uma jovem garotinha que o trata como um cachorro de estimação. Ele, no entanto, acaba não escapando de ser aprisionado por um fazendeiro oportunista que quer vendê-lo para lutar em touradas em Madrid. O touro então precisa convencer os seus colegas prisioneiros que a luta entre touros e homens é na realidade uma causa perdida, e que não existe glória alguma em morrer pela espada de um toureiro egocêntrico que só quer pendurar os chifres de seus oponentes em um mural. Nessa empreitada, ele conta com a ajuda de uma bem humorada cabra e um grupo de ouriços sorrateiros, os personagens responsáveis pelas muitas risadas que surgiram da plateia no cinema.
Há uma grande espirituosidade nas cenas envolvendo os personagens animais que habitam o rancho onde os touros vivem. O momento em que há uma disputa de dança entre os touros e os vaidosos cavalos de raça franceses é hilário, mas gostei especialmente da cena em que Ferdinando e seus amigos invadem Madrid, entupida de carros. Os seres humanos que os perseguem são retratados como pessoas ridículas, que usam hoveboards lentos, inconscientes da força descomunal que os animais possuem e ingenuamente não fazem uso. Aliás, se há uma mensagem importante na obra é que os touros afinal de contas, por mais que se rebelem, só podem ser salvos pela compaixão do homem. Ferdinando, na arena em "Las Ventas", inverte a lógica das touradas e faz com que o toureiro é que corra atrás dele, já que tem uma toalha vermelha agarrada nos chifres. O touro protagonista não quer lutar, mas não é sua rebeldia que o salva, e sim a clemência de seu algoz, atendendo aos pedidos da plateia. Esta é uma animação importante, porque sensibiliza e demonstra a um universo enorme de crianças que se existe alguém capaz de salvar os animais da crueldade do homem, esse alguém é o próprio homem. E os touros agradecem, porque o cheiro das flores sempre será melhor que o cheiro de sangue, ou que cheiro nenhum.
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