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sábado, 10 de fevereiro de 2018

A Forma da Água


Muito tem-se falado de "A Forma da Água", o novo filme do cineasta mexicano Guillermo del Toro, que recebeu 13 indicações ao Oscar, incluindo melhor filme. O diretor é o mesmo de "O Labirinto do Fauno" (2006) um filme muito interessante e que me impressionou bastante pela sua originalidade, pela técnica do diretor e o realismo de conto de fadas-macabro que a obra possui. Como não conheço muito do trabalho de del Toro além do seu filme de 2006, fui ao cinema preparado para ver um filme bem dirigido, tecnicamente impecável e que me surpreenderia bastante, por causa de sua temática atrativa e pouco convencional.

Bom, na realidade não há absolutamente nada de original na história de "A Forma da Àgua", que bebe da água de "O Monstro da Lagoa Negra", filme trash de 1954. É uma fábula que se passa na guerra fria, provavelmente na década de 1960, quando o governo norte-americano encontra uma criatura folclórica na América do Sul e a aprisiona em um de seus laboratórios ultra-secretos. Acontece que uma funcionária da limpeza (Sally Hawkins) descobre a criatura e acaba se envolvendo com ela. Até aí nada que já não tivéssemos visto em "King Kong" (1933), ou "E.T" (1982), filmes de criaturas que são abençoadas pela empatia de um ser humano solidário.

"O Monstro da Lagoa Negra", cult de 1954, que influenciou Del Toro.

Del Toro utiliza uma estratégia para compensar o lugar comum que o seu filme corria o risco de se tornar: ele ambienta a história no passado, criando uma atmosfera saudosista (principalmente em relação ao cinema e à TV), além de narrar a história da protagonista (muito bem interpretada pela indicada ao Oscar Sally Hawkins) de forma bastante descontraída, o que lembra um pouco a personalidade e a sensibilidade de Amélie Poulain, personagem do filme "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain", de 2001.

Esta fórmula funciona, mas ainda assim tudo é muito previsível. Elisa, a protagonista, tem um amigo gay que a compreende e uma colega de trabalho negra que compartilha com ela as dificuldades em exercer uma função subalterna em um setor comandado por um chefe de segurança assediador. Tudo é muito bem alocado na trama, como se o diretor tivesse um compromisso moral de falar sobre cada tema que a agenda política norte-americana tem exigido para que um diretor não caia na desgraça da oposição dos grupos que lincharam Woody Allen, Kevin Spacey e James Franco.

A encantadora Elisa, interpretada por Sally Hawkins, um dos pontos altos do filme. 

Há no roteiro algumas boas brincadeiras visuais envolvendo a criatura anfíbia e a necessidade quase selvagem do vilão humano por água, ou ainda quando os seus dedos apodrecem em um claro sinal de perda de humanidade, o que o coloca na condição de um fera mais selvagem do que o próprio monstro que procura capturar. Além disso, a protagonista é muda (o que eu não via no cinema desde "O Piano", de 1993, que deu o Oscar de melhor atriz à Holly Hunter) e não poder falar faz dela a pessoa mais do que ideal para se comunicar com uma criatura que não compreende nenhum idioma conhecido.

Estas sutilezas são complementadas por outros recursos de imagem na trama, como a simbologia presente no ovo cozido ou na própria água, elemento presente em muitos momentos, seja através da chuva que escapa pelos telhados do apartamento de Elisa ou do balde que ela usa para limpar o sangue que escorre de seu amigo monstro.

"A Forma da Água" é uma história de amor entre monstro e ser humana, como uma "Bela e a Fera" do pântano.

"A Forma da Água" é um filme que entretém o seu espectador, pelo caráter fabuloso e pela atuação marcante de Sally Hawkins. A direção de Del Toro é precisa, mas ainda assim não consigo enxergar neste filme nada que o torne tão especial para ter dado ao mexicano o Oscar que os seus colegas Alfonso Cuarón e Iñárritu já possuíam. Em termos de narrativa, filmes menos épicos conseguiram ser mais tocantes ao abordarem temática semelhante, sem precisarem de tantos recursos visuais, alguns deles tão obviamente forçados como a cena em que Elisa sapateia com o monstro.

A ousadia do diretor ao abordar o sexo sem o pudor hollywoodiano em filmes do gênero não foi maior do que o seu pouco sucesso ao tocar a alma de quem assiste essa história cuja identificação entre público e personagem só acontece mesmo com a sua protagonista, um capítulo à parte em toda a história. No Oscar de 2017, seria justo apenas que Sally Hawkins vencesse, mas o filme ganhou as estatuetas de melhor filme, melhor diretor, roteiro original e design de produção. 

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