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terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

The Square


De todos os cinco filmes indicados ao Oscar de melhor filme estrangeiro que estão em cartaz em São Paulo, "The Square", de 2017, foi o que mais me chamou atenção, pelo pôster: um homem sem camisa em posição de gorila, sobre uma mesa de jantar rodeado de pessoas bem vestidas. Este é justamente o filme mais difícil e multi-temático dos indicados ao Oscar nessa categoria, mas que fez muito sucesso ao vencer a Palma de Ouro em Cannes deste ano. É uma obra sueca, de um diretor que ainda não conhecia, e aí se torna ainda mais difícil falar sobre tudo o que extraí desta obra inegavelmente interessante.

Logo na primeira sequência, já fui seduzido pela cena de um guindaste retirando uma estátua equestre enorme da frente do museu de arte moderna contemporânea em que se passa quase todo o filme. O procedimento não dá certo e a estátua despenca no chão, perdendo a cabeça. Nada mais simbólico do que essa metafórica cena da derrocada da arte tradicional, histórica e cívica. A partir daí, somos apresentados ao protagonista, o curador do museu, que logo no início do filme tem a sua carteira roubada em um golpe bem elaborado em uma rua movimentada de Estocolmo. Auxiliado por um de seus subordinados, ele tem uma ideia estranha: rastreia o celular no computador e distribui cartas em tom ameaçador para todos os moradores do prédio onde acredita estar o seu celular.

Claes Bang e Elisabeth Moss em cena de "The Square".

Ironicamente, este curador está lançando uma nova exposição em seu aristocrático museu de arte, chamada "The Square", que nada mais é do que um conceitual quadrado que evoca a ideia de proteção e solidariedade para os que estão em seu interior. É uma proposta bem ingênua e retórica, considerando que o próprio curador do museu não é lá um grande exemplo de cidadão solidário. Um pouco antes de perder o seu celular, ele ignora o pedido de ajuda financeira de uma senhora. Mais tarde, ele dará um sanduíche para uma pedinte em uma lanchonete, mas esse episódio está longe de construir algum aspecto humano a sua personalidade burguesa.

No trabalho, o comportamento do curador é caótico. Ele não consegue diferenciar sua vida profissional da vida privada, problemática por conta do roubo que sofreu e agitada pelas duas filhas que passam alguns dias com ele, que provavelmente é divorciado. E aí há uma grande piada envolvendo o quadrado do curador e a completa desconexão entre a atitude solidária proposta pela exposição e o seu comportamento egoísta e irresponsável no trabalho.

Os limites entre a solidariedade e a "importunação" são temas constantes no filme.

Há um tom jocoso no que diz respeito ao grande relativismo que tem tomado conta das exposições de arte contemporânea pelo mundo afora, mas principalmente nos países mais ricos, onde há uma pretensiosa "maior sofisticação" na definição do que é arte ou não. Essas brincadeiras estão evidentes na forma como o roteiro aborda as exposições do museu, como aquela em que um monte de pilhas de poeiras ficam uma ao lado da outra, despertando no público nada mais do que a vontade de puxar o celular e tirar uma foto.

Há ainda o momento em que o próprio curador não consegue explicar de forma satisfatória para uma repórter norte-americana os termos que usou em um texto publicado no site do museu. Essa sátira da arte contemporânea "nonsense", produto de uma burguesia alheia ao mundo real, pode ser um pouco perigosa no momento atual em que vive o Brasil, quando as exposições tem sido censuradas e ridicularizadas pelos crescentes grupos conservadores.

O filme brinca com as exposições modernas do museu, provocando risos na plateia do cinema.

Tudo que acontece envolvendo o curador protagonista é uma sucessiva comédia de atitudes equivocadas, tomadas sem reflexão, por um sujeito que não parecer ter nenhum conhecimento do mundo que existe além das sofisticadas vernissages de seu museu e das exposições quiméricas que realiza. Em determinado momento da obra ele se deita com a repórter norte-americana, o que dá sequência a uma cena pouco trabalhada no roteiro, quase tão sem sentido quanto a arte que o filme parece criticar. Quando um expositor dá uma entrevista coletiva, um dos homens no público começa a gritar frases grosseiras, provavelmente portador da Síndrome de Tourette, espantando toda a platéia rica e descolada.

É irônico que esse desvio do comportamento normal seja tolerado em uma exposição, mas não na vida real. Reflexão semelhante acontece na cena clímax da obra, quando um homem sem camisa, em uma performance, escapa como uma fera do controle dos presentes, causando constrangimento para quem esperava uma arte "diferente, mas inofensiva". "The Square" é um filme tão impetuoso quanto o homem-gorila que estampa o seu cartaz e, felizmente, o espectador é público e vítima desta obra irreverente. O filme venceu a Palma de Ouro, maior prêmio do festival de Cannes de 2017.

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