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domingo, 11 de fevereiro de 2018

Titanic


Há 20 anos, "Titanic" ganhava o Oscar de melhor filme de 1998, uma conclusão mais do que esperada para uma obra que havia batido o recorde de maior bilheteria e faturamento na história do cinema à época. É preciso reforçar que o filme surgiu como um projeto inteiramente pessoal de seu escritor, produtor e diretor, James Cameron, um físico cineasta (ou cineasta físico), cujo interesse pelo fundo do mar surgiu uma década antes da criação de sua obra-prima.

Em 1985, Robert Ballard (um famoso oceanógrafo dos EUA) descobriu os destroços do Titanic ao sudeste do Canadá, bem próximo à região onde o famoso navio naufragou na madrugada de 15 de abril de 1912, matando mais de 1500 passageiros, após colidir-se com um iceberg. Este foi o motor inicial para o surgimento do filme de Cameron, mesmo que o naufrágio do Titanic já tivesse sido alvo de interesse de Hollywood em outros momentos (como por exemplo em um filme que seria dirigido por Alfred Hitchcock em 1940, mas cujo projeto acabou sendo abandonado). A história do famoso naufrágio chegou até mesmo a ser contada em um filme de propaganda alemão de 1943, encomendado por Joseph Goebbels.

Os destroços do Titanic foram descobertos no dia 1 de setembro de 1985. Foi somente neste dia que os pesquisadores ficaram sabendo que o navio havia se partido em dois durante o naufrágio.

Quando James Cameron soube da descoberta dos destroços do navio, o tema "fundo do mar" passou a interessá-lo, o que acabou motivando a escrita do suspense "O Segredo do Abismo", em 1989. Mas com o passar dos anos, o Titanic se tornou uma obsessão para o diretor, que insistiu aos estúdios da Fox que financiassem uma expedição ao fundo do oceano atlântico (4 km abaixo do nível do mar), para que ele pudesse ver pessoalmente o navio e fazer tomadas que pudessem auxiliá-lo na criação de um filme sobre a tragédia daquele que era o maior transatlântico do mundo em 1912.

O estúdio aceitou, James Cameron foi para o fundo do oceano e em cerca de 1993 apresentou o argumento inicial do filme que se tornaria "Titanic". Era basicamente uma história de amor, no modelo "Romeu e Julieta", em um navio que todo mundo já sabia qual seria o desfecho trágico.

"O Segredo do Abismo", de 1989, foi o início da fixação do diretor James Cameron pelo fundo do mar.
James Cameron e as suas três estatuetas do Oscar em 1998. "Titanic" levou 11 prêmios e Cameron ficou com três deles: melhor filme, melhor diretor e melhor edição.

A princípio, boa parte da crítica duvidou que contar a história do Titanic pudesse dar certo, por conta de sua previsibilidade (era uma história de mais de 70 anos), além do fato de que já haviam sido feitas algumas adaptações da história real para o cinema norte-americano, como "Somente Deus por Testemunha", de 1958. Mas James Cameron tinha naquele roteiro a chance de sua vida e a possibilidade de criar um trabalho síntese de sua carreira, que nem era tão longa assim.

Para tanto, ele contou com investimentos milionários da Fox, que reproduziu o Titanic de todas as formas possíveis, seja através de maquetes ultra-realistas até a montagem de um navio em tamanho real no litoral do México: um navio em dimensões quase reais que possuía uma estrutura mecânica e hidrodinâmica que faziam ele afundar de verdade.

Réplica do navio em tamanho real montado no México como set para as gravações de "Titanic".

Em pouco tempo, a produção de "Titanic" chamou a atenção de todo o mundo, que aguardava ansiosamente a sua estreia. Para o elenco principal, James Cameron recrutou dois jovens que no futuro seriam dois dos mais importantes atores de sua geração: Kate Winslet (com apenas 19 anos) e Leonardo DiCaprio (18 anos). É impressionante a química entre o casal no filme (Rose e Jack) e discordo absolutamente daqueles que dizem que DiCaprio tem uma atuação ruim em "Titanic".

É claro que Kate Winslet chama muito mais atenção do que ele, por ser mais madura em cena e representar uma personagem com mais profundidade do que Jack (a história é contada com foco em Rose), mas ainda assim é possível perceber em DiCaprio o embrião do ator que ele seria em trabalhos brilhantes anos mais tarde, incluindo a interpretação que lhe rendeu o Oscar de melhor ator em "O Regresso" (2016). Kate Winslet foi indicada ao Oscar de 1998 por "Titanic", mas ganhou a estatueta somente em 2009, por "O Leitor".

Kate Winslet e Leonardo DiCaprio estavam no início da carreira quando fizeram "Titanic". Anos mais tarde, os dois se consagraram vencedores do Oscar em trabalhos mais maduros. Os atores contracenaram novamente em "Foi Apenas um Sonho", de 2008.

Para contar a história do Titanic, James Cameron utilizou um inteligente recurso: mesmo não abrindo mão do navio como grande protagonista da história, ele concentra a narrativa no romance do casal principal. Rose é uma jovem pertencente à alta sociedade inglesa e está de partida para os EUA, com casamento marcado com um noivo rico e arrogante por quem ela não tem nenhuma simpatia. Jack, é um cidadão do mundo, norte-americano que partiu sem rumo para a Europa e agora volta pra casa, depois de ter vivido do pouco dinheiro ganho com sua arte no submundo de Paris.

Por um acaso do destino Jack e Rose se encontram na proa do navio, ironicamente o mesmo local onde alguns dias depois terão que se segurar firme enquanto o navio afunda para uma viagem sem volta ao fundo do oceano atlântico.

A famosa cena do "vôo" de Jack e Rose. James Cameron optou por contar a história do naufrágio como um romance ao estilo "Romeu e Julieta".

Há um evidente conflito de classes entre os passageiros do navio, divididos em castas nos diferentes níveis daquele que era o maior transatlântico do mundo em 1912. Essa divisão social não é nada diferente da praticada hoje em dia em um Airbus A380 (o maior avião de passageiros do mundo), que voando faz exatamente a mesma travessia do Titanic em tempo muito inferior. A tecnologia avançou, mas o ser humano continua diferenciando os seus passageiros durante a travessia entre América e Europa, mesmo sabendo da irônica igualdade de todos os viajantes diante da morte, embora no Titanic os ricos tivessem mais chances de ser salvos, por conta do privilégio de ocupação em botes salva-vidas. 

James Cameron foi muito criterioso ao representar não apenas os mínimos detalhes do navio (que ele teve a oportunidade de ver pessoalmente), mas também o seu naufrágio. No início da obra, um engenheiro demonstra para a idosa Rose a maneira como o navio afundou (como se ela não soubesse...) Este momento é muito interessante, porque o que o diretor está fazendo é na realidade avisar para nós espectadores: "sabemos que vocês sabem que o Titanic vai afundar no fim do filme, ok?". E nesta cena temos a oportunidade de entender como foi o naufrágio em um modelo de computador, sendo que duas horas depois veremos com os próprios olhos este processo sendo representado nas telas de modo muito mais dramático e real.

Bill Paxton (1955-2017) interpreta um pesquisador-caçador de tesouros, fanático pelo Titanic, que ouve da idosa Rose toda a história contada no filme.

Assim como na história verdadeira, no filme o navio afunda pouco mais de duas horas depois de atingir um iceberg. A proa afunda primeiro, depois o navio parte em dois e a popa afunda em um ângulo perpendicular com o oceano, em uma sequência clássica e assustadora na qual a estrutura de madeira e metal do navio geme como se ele fosse um ser vivo morrendo no naufrágio. Inesquecível.

Rose é a personagem mais importante e cativante da obra, por ser uma espécie de heroína que resiste à cultura machista em que é criada, principalmente por sua mãe ambiciosa e incompreensiva. Estimulada por Jack, Rose questiona o seu noivado sem amor e a própria estrutura da primeira classe que habita, que oprime os passageiros mais pobres e goza de privilégios na vida e na morte. Inicialmente, Rose pensa no suicídio, mas depois decide que a maneira mais simples de enfrentar o problema é recusando-se a fazer parte da sociedade que a deprime, para o desgosto de seu noivo (que junto ao capanga é muito mais vilão no filme do que o iceberg que o Titanic se choca).

O noivo de Rose (Billy Zane) é um dos antagonistas da história. Na foto, ele presenteia a amada com o "coração do oceano", um McGuffin do roteiro.

Jack acaba sendo vítima da estrutura policial que existe no navio, que o persegue injustamente a mando do noivo de Rose após descobrir o romance proibido entre os dois. Jack, no entanto, é um personagem engraçado e otimista, que fez o público literalmente gritar nas plateias de cinema em 1998. Eu fui testemunha desse frenesi.

Pelo seu rigor técnico, produção milionária e o inegável aspecto épico de suas mais clássicas cenas (como a sequência em que Jack e Rose navegam de braços abertos na proa do navio ao som da música tema cantada por Celine Dion), "Titanic" já seria um filme histórico. Mas além de tudo isso é preciso considerar a força que o filme possuiu no sentido de ter provocado novamente o grande frisson das estreias no cinema, levando multidões a formar fila nas portas das salas do mundo inteiro e comentar sobre o filme em qualquer canto do planeta. Em pouco tempo, todos já sabiam que "Titanic" era a maior bilheteria da história do cinema, superado apenas mais de dez anos depois por "Avatar" (2009), também de James Cameron.

"Me desenhe como uma de suas garotas francesas": a frase de Rose acabou virando meme anos depois.

Na cultura popular, o filme ficou cristalizado como um dos maiores épicos feitos por Hollywood. Na história do cinema, "Titanic" ocupa o lugar de uma das últimas grandes obras produzidas à moda antiga, com a computação gráfica sendo apenas um suporte na montagem das cenas, mas não como elemento principal. Pessoalmente falando, "Titanic" é um filme especial, porque foi ele o primeiro que assisti no cinema quando eu tinha apenas seis anos de idade. Considerando o seu poder de entretenimento e sua identidade visual, "Titanic" é sob minha interpretação o filme síntese do cinema comercial do século XX e uma das obras mais importantes já produzidas por qualquer cineasta.

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