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quarta-feira, 30 de maio de 2018

A Conversação


Escondido no ano de 1974, mesmo ano da segunda parte de "O Poderoso Chefão", Coppola lançou "A Conversação", estrelado por Gene Hackman. É bem curioso que este filme não tenha feito tanto sucesso comercial no Brasil como os filmes anteriores do diretor. Em uma procura rápida pela internet, é difícil encontrar o seu DVD, muito menos cópia em Blu-Ray, já que não foi lançado por nenhum selo no Brasil. O filme, no entanto, fez parte do catálogo da Netflix durante um tempo, mas foi retirado pouco depois. Pra assisti-lo é preciso ficar atento à programação de alguns canais da TV fechada ou garimpar em lojas de DVD's sua versão brasileira, bem rara.

O filme narra a história de um detetive solitário (Caul), interpretado pelo incrível Gene Hackman, que é contratado por um empresário para espionar um casal sobre quem ele não sabe nada a respeito. Caul faz gravações de conversas privadas e fotografa os supostos amantes, mas reluta ao entregar o material ao seu contratante. É que ele descobre que o casal trabalha na mesma firma do empresário que o contratou. Temendo que os dois sejam vítimas de perseguição pelo chefe, o que poderia inclusive provocar um assassinato, ele decide que não vai entregar o material fruto de sua investigação, abrindo mão dos 15 mil dólares que receberia como pagamento.

Caul é um sujeito solitário, um dos melhores detetives de São Francisco. De poucos amigos, ele tem uma namorada que não sabe nada a respeito de sua vida. E ele prefere que continue assim, o que atrapalha sua relação com ela. Há uma bela trilha sonora em piano que embala quase todo a obra, o que dá ao filme um clima bastante melancólico, sobretudo nas tomadas noturnas e quando Caul está sozinho em seu apartamento ou no terraço onde funciona o seu laboratório de trabalho. O assistente do protagonista é interpretado por John Cazale (o Fredo de "O Poderoso Chefão"), um grande ator que faleceu precocemente após fazer apenas cinco longas, três deles com Coppola. Ele namorava Meryl Streep quando morreu.

Há uma grande ironia na história de "A Conversação", que é o fato de Caul, o protagonista, ser um homem extremamente preocupado com a sua privacidade. Ele vive sozinho, não compartilha o seu telefone com ninguém, é de poucos amigos e tem personalidade muito reservada. Ele, no entanto, tem como ganha pão a arte de espionar a vida dos outros. Além disso, ele nunca parece ter se preocupado com uma questão moral importante para os detetives, que é o destino de seu trabalho. Após colher evidências de um crime ou de uma traição, o espião não tem controle do que será feito a partir daí. Ele pode ter sido contratado por vingança, por exemplo. É este dilema que conduz o filme, porque Caul irá se envolver com o objeto de sua investigação, o que tomará proporções inesperadas.

O resultado deste trabalho autoral de Coppola é um filme muito acima da média dos equivalentes de seu gênero. É também uma obra filmada com a delicadeza de um diretor que sabe muito bem o que faz. Coppola escolhe com cuidado os cenários para as suas tomadas em uma São Francisco menos bela do que estamos acostumados. A música tema está muito afinada com os sentimentos de Caul, personagem com uma profundidade rara para um filme relativamente curto. Eu não arriscaria dizer que "A Conversação" é um dos filmes mais refinados que já assisti em toda minha vida, feito com esmero, tanto pelo diretor quanto pelo seu ator principal, cujo trabalho nesta obra é um dos mais notáveis em toda a sua carreira. Pelo seu caráter trágico e pela forma artística como foi concebido, "A Conversação" é um dos filmes mais bonitos e bem feitos de todo o cinema norte-americano. 

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