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quinta-feira, 31 de maio de 2018

Spotlight


"Spotlight", de 2015, é um filme que conta a história de um pequeno grupo de repórteres de Boston que se debruça sobre a investigação de crimes de pedofilia cometidos por padres da cidade. Quase toda a história se passa na redação do jornal "The Boston Globe", onde há uma divisão de jornalistas denominada "Spotlight", responsável por um trabalho investigativo bem minucioso, cuja maior característica é o sigilo de seu trabalho. A partir da liderança de um novo chefe na edição do jornal, que é judeu, o grupo recebe a tarefa de descobrir o envolvimento ou não do Cardeal da cidade no acobertamento das denúncias de famílias de crianças abusadas contra o clero local. A figura de um chefe judeu, e portanto não comprometido com a forte presença da Igreja Católica em Boston, é decisiva para convencer os jornalistas do interesse do jornal na descoberta da verdade sobre os fatos investigados.

A temática, por si só, é muito atrativa e a direção de Tom McCarthy faz o possível para criar no filme um ambiente retrô, já que a história se passa no início dos anos 2000. A trilha sonora de Howard Shore tocada em piano evoca as séries investigativas da década de 1990, propiciando um clima verdadeiramente instigante para o trabalho dos jornalistas liderados pelo competente Robinson, interpretado por Michael Keaton, um dos grandes atores da história do cinema norte-americano. Quem também está muito bem é Mark Ruffalo e a brilhante atriz Rachel McAdams. Como a história tem poucos recursos visuais e sua força reside especialmente no roteiro, as interpretações são contidas, mas nem por isso deixam de ser a cereja do bolo do filme, com um elenco muito forte.

Filmes que se passam em redações de grandes jornais normalmente precisam lidar com a questão ética do trabalho do jornalista. Em "Spotlight" este assunto é abordado quando o time de repórteres percebe que há uma força oculta em Boston que aparentemente tem brecado investigações sobre os supostos crimes de pedofilia que acontecem nas paróquias da cidade. O assunto tem sido há anos jogado "por baixo dos panos", o que dá ao trabalho dos jornalistas uma força ética ainda maior, principalmente porque nenhum deles (e nem o editor do jornal) possuem vínculo com a Igreja Católica - um afastamento que tornará mais fácil o combate, que toma o campo jurídico. Ao mesmo tempo, o filme não esconde o trato da notícia como mercadoria, um produto cujo ineditismo é importante e que deve ser tornado público no momento certo. Quando as torres do World Trade Center, em Nova York, são atingidas por dois aviões (originários de Boston), o fato é ainda mais lamentado pela redação do jornal, já que o tema tornou-se pauta prioritária nas redações de todo o país. O importante trabalho jornalístico sobre a pedofilia precisa então aguardar o momento em que receberá a devida atenção. É assim o jornalismo.

"Spotlight" não inova na forma como conta a sua história. Outros grandes filmes jornalísticos do século passado já haviam criado um padrão de qualidade para o gênero. O seu grande diferencial, no entanto, é a temática, tabu em todo mundo. Há um papel político muito forte na obra, porque da mesma forma como fizeram os jornalistas da redação do "The Boston Globe", o diretor e roteirista Tom McCarthy trouxe à tona um tema que precisava e ainda precisa ser debatido, ganhando manchetes no mundo todo e, inclusive, vencendo o prêmio principal do Oscar de 2016. O filme então entra para o rol de poucas obras cinematográficas que abordam o tema da pedofilia, que deve ser ainda menor considerando os crimes cometidos apenas pelo clero católico. Diferentemente de "The Post", filme de 2017, com uma proposta semelhante no que diz respeito ao trabalho do jornalista (mas raso ao tratar do tema investigado), "Spotlight" mergulha em sua temática, humanizando a vítima e o sobrevivente dos crimes de estupro e abuso infantil, nos trazendo no próprio roteiro do filme um pouco do trabalho jornalístico que de fato foi realizado pelos repórteres de Boston no ano de 2001. Um filme muito necessário!

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