Esta é provavelmente a cinebiografia definitiva da banda inglesa "Queen" e de seu excêntrico vocalista Freddie Mercury. No Brasil, o filme tem sido gentilmente apelidado como "filme do Queen", mas o título original "Bohemian Rhapsody" faz referência a uma das músicas mais importantes da história do quarteto, que em seu título sintetiza a vida de Freddie (o grande protagonista da história, no final das contas). O filme tem como co-produtores o ator Robert De Niro e os membros do "Queen" Brian May e Roger Taylor, o que dá à produção um status de uma "história oficial", supervisionada por quem a viveu bem de perto. O roteiro foi assinado por Anthony McCarten, indicado ao Oscar duas vezes.
Logo no início do filme, vemos Freddie Mercury se preparando para entrar no palco no lendário show do Live Aid, ocorrido em julho de 1985 no Estádio de Wembley, em Londres. A cena é então cortada para que possamos acompanhar a história desde o início, quando o futuro vocalista do "Queen" ainda era um singelo trabalhador do aeroporto de Heathrow, na capital inglesa. Nascido em uma ilha que faz parte da Tanzânia e batizado como Farrokh Bulsara, filho de pais indianos, Freddie Mercury adotou esse nome artístico (registado em cartório) somente anos mais tarde. Suas origens relativamente humildes jogavam contra a possibilidade de se tornar um cantor de sucesso, mas a despeito da descrença inicial de seu pai, Freddie conseguiu que a banda de rock recém formada por um grupo de jovens londrinos conquistasse um sucesso rápido e estrondoso.
É impressionante o trabalho do ator norte-americano Rami Malek, relativamente desconhecido, mas que pela origem egípcia e as feições muito semelhantes a de Freddie Mercury deve ter sido encontrado como um tesouro pela produção do filme. O talento do artista, aliado a um trabalho de maquiagem e o uso de figurinos muito fiéis, será certamente reconhecido nas premiações do início do ano que vem, inclusive a do Oscar - que ele possui chances reais de vencer. A estética do filme também chama a atenção, porque a história se passa em um período de cerca de 15 anos desde a formação da banda até a apresentação no Live Aid. Por conta disso, a direção de arte do filme teve que recriar o ambiente da década de 70 e 80, e fez isso sem esbarrar no lugar comum de representação de épocas passadas através da construção de uma imagem de aspecto "retrô". Ao contrário disso, as cenas dos shows, principalmente, foram reconstruídas para que nós espectadores tenhamos a sensação de estarmos dentro do concerto. Isto funciona, principalmente porque a qualidade do som também é impecável.
Perpassando por quase todas as canções mais clássicas da carreira do "Queen" - embora eu tenha sentido falta de "It's a Hard Life" - o filme deve estar produzindo um sentimento muito saudosista nos fãs que acompanharam a banda à época de seu sucesso. Os fãs brasileiros foram especialmente contemplados com uma cena de destaque no filme, que reverencia o lendário show da banda na primeira edição do Rock in Rio, em 1985, que bateu o recorde de maior público pagante da história em um único show. Há alguns erros bem crassos na cronologia das canções e inclusive do visual de Freddie Mercury, que mudou bastante com o tempo, ora com o cabelo grande ou com/sem bigode. Mesmo assim, é bastante empolgante assistir o nascimento das principais canções da banda, conhecer as motivações para a sua criação e o processo de gravação nos estúdios.
Embora seja um filme com grande potencial de entretenimento e que está agradando uma boa parte do público nas salas de cinema, é preciso reforçar que "Bohemian Rhapsody" é uma cinebiografia que optou por esterilizar bastante o comportamento de Freddie Mercury. Sabemos que o vocalista era na realidade reconhecido pela vida boêmia e postura desregrada, mas o filme que conta a sua história nos apresenta uma figura um pouco mais comportada, que pouco se relacionou sexualmente e que não utilizou drogas além dos cigarros e álcool. Isso pode ter sido uma decisão da produção do filme, buscando adequá-lo a uma classificação indicativa que pudesse torná-lo um produto consumível por um público amplo, mais familiar. Freddie Mercury era homossexual e faleceu vítima da AIDS, muito provavelmente contraída pela forma inconsequente ou descuidada que o artista lidou com o uso de preservativos ou de substâncias injetáveis. "Bohemian Rhapsody" é omisso quanto a este assunto, abordando apenas os fins, não os meios. O resultado é uma obra de grande qualidade técnica, arrepiante e divertida. Este é um dos melhores filmes de 2018, que pecou apenas por não retratar tão fielmente a boemia que lhe dá o título. Ainda assim, é altamente recomendável.
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