Parece estranho dizer isso, mas "O Exorcista", de 1973, foi um dos filmes preferidos da minha infância. O VHS duplo provocava em mim um atração enorme na locadora, com aquela famosa capa da figura sombria do Padre Merrin com a sua valise olhando para a janela iluminada da mansão onde a história acontece. Lembro que gostar do filme era considerado uma espécie de heresia, principalmente por algumas pessoas da minha família. Não foram poucas as vezes em que ouvi aconselharem minha mãe a não me deixar alugar o filme, porque assisti-lo poderia trazer azar a nossa casa. Isso tudo não me constrangeu a assistir "O Exorcista" várias vezes, ao ponto de perder aquela gostosa sensação de medo que a história me proporcionava no início. Mesmo assim, a obra permanece sendo para mim o mais impressionante filme de horror já realizado.
A abertura do filme traz consigo algumas notas estridentes no violino, anunciando algum tipo de acontecimento sinistro, o que cria grande expectativa nos espectadores. Este tipo de recurso musical é uma influência clara do cinema de Alfred Hitchcock, de quem William Friedkin, o diretor de "O Exorcista", sempre foi grande entusiasta. Eles, inclusive, trabalharam juntos em um episódio de uma série de TV na década de 60. Existe no início da história de "O Exorcista" uma breve passagem no norte do Iraque, onde acompanhamos o Padre Merrin trabalhando em uma escavação que por sugestão do roteiro libertou algum tipo de demônio. O roteiro, aliás, foi escrito por William Peter Blatty - o mesmo autor da história original - e me parece uma decisão um tanto quanto política associar a origem do mal na história a uma escavação no oriente médio, terreno onde os Estados Unidos historicamente vivenciaram e ainda vivenciam inúmeros conflitos.
A história então migra para o ensolarado bairro de Georgetown, em Washington, D.C, onde vivem as protagonistas, mãe e filha. A mãe é uma atriz de cinema rodando um filme na cidade, onde mora com a sua filha pré-adolescente, Regan, a jovem que será possuída pelo demônio por razões desconhecidas. Ambas as protagonistas vivem uma rotina quase aristocrática em uma casa luxuosa bem servida por empregados e uma secretária. Percebe-se uma maldade implícita em toda a história, que é o fato de uma casa aparentemente tão protegida ser subitamente invadida por um mal invisível e silencioso. O horror do filme progride muito lentamente e é inevitável para o espectador questionar de que maneira a rotina tão calma das protagonistas poderá desencadear em algo terrível. Há uma cena muito marcante em que a personagem de Ellen Burstyn retorna a pé para sua casa em uma vizinhança absolutamente pacífica. A clássica trilha sonora de fundo, uma melodia tocada no piano que se tornou a música tema do filme, anuncia no entanto que há algo sombrio para acontecer na história. Eu poderia rever essa cena cem vezes e não me cansar.
O roteiro aprofunda na vida pessoal do Padre Karras, outro personagem chave na história, um homem austero que trabalha como conselheiro psiquiátrico da igreja católica em Georgetown. Ele confessa para um colega que está perdendo a fé e pretende largar a vida de sacerdote, o que evidentemente vai sofrer grande transformação quando ele descobre que há uma jovem possuída pelo demônio em sua cidade. Este é um personagem muito marcante, não apenas pela grande atuação de Jason Miller, um escritor-ator, mas também pela sua dupla função como psiquiatra e padre, o que dá a ele um bom senso extra no tratamento do problema de Regan. Dá para notar uma certa precariedade no roteiro ao trabalhar a forma como Karras enfrenta a possessão de Regan. Ele inicialmente custa a acreditar que aquilo não seja um problema a ser resolvido pela ciência. Para nós espectadores, no entanto, isso parece muito pouco verossímil, porque ninguém poderia duvidar do quão sobrenatural é uma criança de aparência medonha vomitar litros de um líquido verde sobre um padre que acaba de conhecer.
Outra grande sacada da história de "O Exorcista" é que a ciência se torna absolutamente inútil no tratamento do problema de Regan. Ela inicialmente apresenta algumas pequenas alterações em seu comportamento, o que não assusta tanto a sua mãe. A sequência em que a jovem urina no chão no meio de uma alegre festa com cantoria no piano, no entanto, muda bastante a postura da família no tratamento de seu problema. Ao receber do próprio corpo clínico de um hospital a sugestão de que deveria procurar um exorcista, a mãe de Regan, auxiliada por seus empregados, se vê na necessidade de acorrentar a filha a sua cama e mantê-la em um quarto inexplicavelmente frio enquanto a jovem possuída faz demonstrações de seu poder e debocha da igreja católica. Em um de seus surtos, Regan assassina um dos amigos de sua mãe, o que rende uma investigação criminal paralela à história principal. O ator que interpreta este homem assassinado, Jack MacGowran, de fato faleceu logo após o fim das gravações de "O Exorcista", o que contribuiu muito para que o filme ganhasse a aura de uma produção amaldiçoada.
Estando a igreja católica convencida de que o caso deveria ser tratado com um exorcismo, ritual pouco usual desde a Idade Média, o Padre Merrin é chamado a Georgetown para colocar em prática a sua experiência no assunto. O exorcismo em si ocorre em uma única noite e é uma das sequências mais longas e perturbadoras de todo o filme. Regan, interpretada por Linda Blair, uma atriz que não fez grande sucesso além de "O Exorcista", se contorce, vira os olhos, levita sobre sua cama, ri e debocha dos padres que através de orações tentam expulsar o demônio de seu corpo. Enquanto isso, a mãe da jovem aguarda ansiosa no andar debaixo esperando notícias, como se sua filha estivesse passando por algum tipo de cirurgia. A sequência final segue em um clímax na escadaria que hoje é um ponto turístico para os que visitam Washington. A possessão de Regan tem um desfecho semelhante a sua enigmática origem, embora o roteiro também sugira que um tabuleiro de Ouija possa ter sido o causador do mal, o que mais tarde seria replicado em muitos outros filmes do gênero. Aliás, é justamente essa replicação e influência o maior legado de "O Exorcista" no cinema de horror, o que faz dele provavelmente um dos filmes de terror mais importantes da história do cinema.
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