Eu nunca tinha assistido a nenhum filme do diretor grego Yorgos Lanthimos, embora já tivesse ouvido falar muito bem de "O Lagosta", de 2015. Por essa razão, fica difícil escrever com propriedade sobre "A Favorita", a sua mais recente criação indicada ao Oscar em dez categorias, entre elas melhor filme e diretor. De qualquer forma, vou fazer alguns comentários gerais sobre o filme, já avisando que vou comprar o DVD quando for lançado para que eu possa revê-lo e, se for o caso, escrever novamente sobre ele depois de conhecer um pouco mais a filmografia do seu diretor. Digo isso porque "A Favorita" é uma obra em que o roteiro é menos importante que a forma como foi filmado. Trata-se de um trabalho autoral, experimental e esteticamente muito interessante.
O crítico Marcelo Janot disse que o cineasta Stanley Kubrick assinaria com gosto em baixo do trabalho de Yorgos Lanthimos e de fato existem muitas proximidades entre o olhar do grego e o do norte-americano. As tomadas de "A Favorita", escuras, filmadas com a câmera "no chão" ou com lentes distorcidas como um olho de peixe, são um elemento a mais para a criação de uma atmosfera sombria e claustrofóbica nesta obra que se passa dentro de um castelo real no século XVIII. A personagem histórica retratada é Ana da Grã-Bretanha (Olivia Colman), uma rainha de saúde frágil que vive praticamente reclusa em seu castelo, governando de forma bastante caótica a Inglaterra durante a Guerra da Sucessão Espanhola. Ela é auxiliada pela inteligente e habilidosa Duquesa de Marlborough (Rachel Weisz), que a manipula tanto emocionalmente quanto nas suas decisões políticas mais decisivas.
O trio de personagens é completado com a empregada recém chegada à corte, Abigail Masham (Emma Stone), que através de sua postura ousada e um charme aparentemente despretensioso conquista a confiança da Rainha Ana. Fica tão complicado compreender a intenção de cada personagem que eu não arriscaria palpitar quem seria a favorita do título. É preciso dizer que o filme tem em seu elenco três atrizes de grande força e uma poderosa técnica que dá à obra um refinamento tão grande quanto a sua direção. Merece uma menção especial a atuação de Olivia Colman como uma rainha dilacerada pela dor da gota, problemas psicológicos e até mesmo um derrame que próximo ao desfecho do filme afetará parte de seu corpo. Emma Stone também está fantástica, principalmente pelos traços antagônicos que expressa à medida que sua personagem ganha força e protagonismo no enredo. Rachel Weisz completa este time indicado ao Oscar nas categorias de coadjuvantes e atriz principal para Olivia Colman, que merece a vitória.
Apesar da historicidade do enredo, o roteiro de "A Favorita" é original, assinado por uma dupla de escritores. Creio que para compreender a história com mais propriedade, o adequado seria pesquisar antes sobre a Rainha Ana, mesmo que de forma rasa na Wikipédia. Digo isso pois as nuances da guerra e os conflitos políticos no parlamento tornam o filme um pouco enfadonho em alguns momentos, para não dizer que algumas referências foram incompreensíveis para mim. De qualquer forma, o que nos atrai mais fortemente no roteiro é a relação pouco saudável entre as três protagonistas, além dos segredos que guardam os grandiosos e mal iluminados cômodos do castelo (que deve ser provavelmente o palácio rural de Hatfield House, embora eu não tenha certeza). Os simbolismos da direção de Yorgos também são muito marcantes, como a presença constante dos dezessete coelhos da rainha, que simbolizam todos os filhos que perdeu ao longo da vida. O clima febril, o ambiente conspirador e o frequente apelo sexual da história fazem de "A Favorita" um filme perturbador e atrativo, mesmo que eu precise assistir novamente para dizer se realmente o considero uma boa indicação aos leitores.
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