É sempre muito difícil escrever sobre filmes baseados em super-heróis, especialmente os da Marvel. Embora eu seja um fã declarado de quadrinhos, não costumo ler com frequência histórias de heróis e aqui no blog escrevi muito pouco sobre o gênero, com exceção dos filmes do Batman (DC) dirigidos pelo Tim Burton e a mais recente animação do Homem-Aranha, vencedora do Oscar. Os personagens da Marvel fazem parte de um universo muito amplo, composto por mais de vinte filmes que se relacionam entre si, começando por "Homem de Ferro" em 2008 até chegar no aguardado fechamento da quadrilogia dos "Vingadores", que estreará em abril deste ano. É muito conteúdo, muita informação e uma certa necessidade de conhecer previamente um pouco da trajetória de cada protagonista destes filmes de super-heróis. Ainda não tive tempo pra fazer isso, mas acredito que um dia vou assumir essa empreitada.
Quando sentei na poltrona do cinema ao lado de minha namorada, confesso que não sabia nada sobre a Capitã Marvel. Fui assistir ao filme motivado pela repercussão que o filme tem alcançado na imprensa, nos canais de youtube e nas rodas de conversa do mundo real. O barulho que "Capitã Marvel" vem fazendo está relacionado ao suposto comprometimento do filme com o movimento feminista. Fãs de quadrinho conservadores - por mais bizarro que seja conceber um fã de super-heróis com mentalidade reacionária - acusam o filme de oportunismo e criticam a Marvel por supostamente superestimar a Capitã Marvel para pescar bilheteria sob o pretexto da necessidade de representatividade das mulheres nos filmes do gênero. Pra começo de conversa, isto não é verdade. A adaptação da história da Capitã é bastante digna quando consideramos que a protagonista é provavelmente a mulher mais poderosa do universo de heróis da Marvel. Mas só isso não justifica a importância do filme e o seu mérito. A representatividade não é um demérito, pelo contrário, é o seu ponto alto.
Ao assistir "Capitã Marvel", tive inicialmente grande dificuldade para compreender os caminhos da história. O roteiro é inteligente, construído para um público atento, acostumado ao universo de heróis. A protagonista, Carol Danvers, tem a sua memória comprometida e nem ela nem nós sabemos ao certo o que aconteceu na sua vida antes dos acontecimentos do princípio da história. Com o tempo a sua trajetória vai se costurando e vão surgindo novos personagens importantes, entre eles o curiosamente bem humorado Nick Fury (Samuel L. Jackson). Os acontecimentos do filme se passam na década de 1990 e não deixa de ser interessante que Carol Danvers vai parar no planeta terra aterrissando no telhado de uma locadora da franquia Blockbuster, mega-rede de locadoras que hoje conta com apenas duas lojas em todo o mundo - uma delas já em processo de falência. Existe no filme uma constante brincadeira com o fato da história se passar em um momento tão longínquo para nós em termos de tecnologia: a era dos telefones públicos, dos fliperamas e pagers. O roteiro é descontraído, brincalhão até demais, o que despertou certo desagrado entre os fãs de Nick Fury quanto à explicação do filme para a origem de seu olho cego.
Sinceramente, não entendo como um roteiro pode ser acusado por ser feminista ou "lacrador", duas palavras que para mim só possuem conotações positivas. Existem sim mensagens feministas em "Capitã Marvel", mesmo que elas não sejam tão explícitas como poderiam ser. O grande vilão, por exemplo, é um homem interpretado por Jude Law, que a todo momento reforça para Carol Danvers que ela não seria ninguém sem a sua influência e que é ele o responsável por ela ser "a melhor versão de si mesma". Ora, eu até compreenderia se isso fosse verdade, mas para nós fica muito claro que a "Capitã Marvel" se tornou muito mais poderosa justamente quando rompeu com a dominação de seu "mentor", em uma cena simbólica em que ela retira de seu pescoço o instrumento que supostamente lhe tornava invencível. Eu assisti o filme ao lado de uma mulher (Cássia), e devo destacar a sua opinião a respeito da relação entre Carol e Lashana, melhor amiga da heroína. Ela observou que há entre as duas uma relação afetuosa que no entanto não pode ser considerada como algum tipo de relacionamento amoroso, uma vez que poderíamos cair na perigosa generalização de considerar que uma mulher que não se relaciona com um homem é necessariamente lésbica. Ela também destacou que Carol Danvers não é representada em nenhum momento da história com algum tipo de valorização sexual de seu corpo. Não há objetificação da atriz e da personagem. Este é outro ponto positivo do filme e uma reflexão importante para criticá-lo quando comparado às outras obras do gênero.
Não pude deixar de me surpreender com tantos cuidados políticos na abordagem da história da heroína da Marvel. Houve até mesmo um esforço da produtora no sentido de transformar Mar-Vell, um personagem originalmente homem, em uma mulher que no filme representa a Dra. Wendy Lawson, responsável direta pelos poderes cósmicos de Carol Danvers. Afinal de contas, seria incoerente com o empoderamento da protagonista que a origem de seu poder estivesse relacionada a um homem, como era nos quadrinhos. Falando em quadrinhos, os entendedores mais sérios do assunto valorizam e muito a importância de "Capitã Marvel" em termos de representatividade, mas no geral ficaram bastante decepcionados com o roteiro do filme, que segundo os mais puristas não traduz com realidade e respeito suficiente a trajetória da heroína nos quadrinhos, uma história que começou em 1968 quando a Capitã apareceu pela primeira vez nos gibis norte-americanos. Da minha parte, que falo apenas na perspectiva objetiva e crítica do filme, considerei "Capitã Marvel" uma divertida e prazerosa experiência cinematográfica, mesmo que me espante um pouco que os produtores de cinema tenham demorado tanto tempo para perceber o potencial de sucesso de uma heroína que não deixa nada a dever aos mais importantes heróis dos Vingadores. E quem ficar até o fim dos créditos no cinema saberá quando verá Carol Danvers novamente nas telonas. Bom filme!
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