Este é provavelmente o filme mais importante da carreira de Tim Burton, que quando o escreveu e dirigiu em 1990 já era um forte candidato a um lugar ao sol no cinema dito não-convencional. Mais tarde, o diretor norte-americano acabou por conquistar uma identidade e um caráter autoral às suas obras mais notáveis, ao ponto de ser um daqueles poucos realizadores cujos filmes são reconhecidos quase que imediatamente pela estética de seu criador. Tim Burton tem o talento ímpar em criar em seus filmes imagens rebuscadas, excêntricas e chamativas, indo do multi-colorido ao gótico e do clássico e clichê ao surreal. Com um time de atores que o acompanham desde o início da carreira, principalmente o pouco unânime Johnny Depp e Helena Bonham Carter - atriz que foi casada com o diretor durante mais de uma década - Burton tem uma carreira sólida no cinema cult, despertando mais barulho do que reconhecimento à medida que sua filmografia está sendo construída.
"Edward Mãos de Tesoura" é uma espécie de conto de fadas protagonizado por um anti-herói de aparência gótica, criado em um castelo por um inventor que decidiu dar vida a uma de suas máquinas, mas morreu antes de poder fabricar-lhe um par de mãos. Este inventor é estrelado por Vincent Price, um dos mais importantes atores do cinema de horror, que atuou pela última vez no cinema justamente neste filme de Tim Burton. O protagonista, Edward, é vivido por Johnny Depp, um jovem ator que já demonstrava muito talento para representar personagens com caracterizações excêntricas. Outra personagem importante no filme é Kim (Winona Ryder), uma jovem adolescente que desperta o amor de Edward. Os dois atores realmente se apaixonaram, mas o relacionamento que virou noivado não durou tanto tempo assim. Winona teve uma carreira muito apagada depois deste filme de Tim Burton, mas teve atuações de destaque na versão do "Drácula" de Francis Ford Coppola, no premiado "Cisne Negro" e atualmente ressurgiu interpretando uma das personagens mais importantes da bem sucedida série "Stranger Things".
É impossível não se lembrar da trama de "Frankenstein", obra-prima de Mary Shelley, ao assistir "Edward Mãos de Tesoura". Isto porque o personagem criado por Tim Burton compartilha do mesmo isolamento do vilão de Shelley, criado e ao mesmo tempo usurpado do convívio com as pessoas ditas normais. Só que Edward possui um comportamento ético muito próximo do "bom selvagem" de Rousseau, porque desconhece todo o tipo de maldade ou vício que a sociedade tende aos poucos a lhe apresentar, seja através do sexo ou da bebida alcoólica que lhe oferecem. E Edward em nenhum momento adquire algum tipo de postura revanchista em relação ao comportamento assedioso de algumas pessoas do pragmático e tedioso bairro que lhe acolhe. Pelo contrário, o homem de mãos de tesoura é recebido com entusiasmo pelos vizinhos, tornando-se o jardineiro oficial da vizinhança e um cabeleireiro de respeito e gosto peculiar. O recurso utilizado por Burton é vilanizar não o seu protagonista, mas um jovem ciumento e incomodado com o fato de sua namorada ter se interessado por alguém que, não sendo uma pessoa real, é mais humano que ele.
Com uma trilha sonora que embalou as tardes das crianças nascidas na década de 1990 e uma estética colorida, cinquentista, mas ao mesmo tempo gótica e macabra nas cenas do castelo de Edward, este filme de Tim Burton tornou-se um clássico instantâneo primeiro entre o público infantil e hoje entre os apreciadores do cinema cult. A maquiagem que deixou Johnny Depp bastante irreconhecível pode ser vista hoje como grosseira ou de pouca qualidade, mas à época do filme era certamente o que tinha de melhor em Hollywood, tanto é que foi indicada ao Oscar de 1991. O filme guarda um grande saudosismo não só da época em que foi lançado, mas também com o período histórico que procura retratar, que é provavelmente os Estados Unidos que Tim Burton viveu quando criança. Mesmo sendo um conto de fadas gótico despretensioso, "Edward Mãos de Tesoura" evoca alguns elementos de crítica social, representando uma sociedade patriarcal chata e supérflua, abruptamente invadida por uma espécie de aberração simpática e humana que ela própria lentamente acabará por expulsar de seu convívio, provando a Rousseau que o seu bom selvagem só é mesmo bom quando mora bem longe em um castelo abandonado.
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