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segunda-feira, 11 de março de 2019

Harry Potter e a Pedra Filosofal

"Harry Potter e a Pedra Filosofal" foi o primeiro de oito filmes baseados nos livros da escritora inglesa J.K Rowling, lançado nos cinemas no ano de 2001 e tornando-se imediatamente um sucesso de crítica e certamente a franquia mais bem sucedida e lucrativa da história do cinema britânico. A direção foi assinada por Chris Columbus, um norte-americano especializado em sucessos infantis que no Brasil rotulamos como "clássicos da sessão da tarde", entre eles "Esqueceram de Mim" e "Uma Babá Quase Perfeita". A decisão de adaptar para as telonas a história de Harry Potter parece muito óbvia após o primeiro livro de J.K Rowling ter se tornado um best seller instantâneo em quase todo o mundo. Farejando lucro e sucesso, a Warner Bros comprou os direitos do livro, filmando tudo em estúdios e locais históricos no Reino Unido. As gravações foram acompanhadas de perto pela própria autora da história, que exigiu que o elenco principal fosse composto por atores exclusivamente britânicos ou irlandeses.

Esta opção por um elenco britânico fez com que a série de filmes de Harry Potter tenha sido protagonizada por um conjunto de verdadeiras lendas do cinema inglês, como os veteranos John Cleese (em aparições discretas como o fantasma "Nick Quase sem Cabeça"), Richard Harris (Dumbledore), John Hurt (o vendedor de varinhas Olivaras) e os espetaculares Alan Rickman (Snape) e Maggie Smith (Minerva McGonagall). O elenco de crianças protagonistas foi composto por jovens estreantes, com um talento e qualidade técnica que só cresceram à medida que os filmes subsequentes foram sendo produzidos. São eles: Daniel Radcliffe (Harry Potter), Rupert Grint (Rony Weasley) e Emma Watson (Hermione). Todos os três continuaram suas carreiras no cinema e teatro, mas ficaram bastante estigmatizados pelos personagens que representaram por mais de uma década em filmes assistidos por bilhões de pessoas em todo o mundo. A produtividade dos atores mirins, no entanto, representou um certo frescor e nova vida aos atores disponíveis no mercado inglês, até porque boa parte dos atores veteranos dos primeiros filmes de HP já faleceram ou estão muito idosos para representar.

O roteiro de "Harry Potter e a Pedra Filosofal" foi escrito a partir de uma adaptação bastante fiel do primeiro livro de J.K Rowling, lançado em 1997. A história central é a descoberta de Harry Potter como um jovem bruxo e a sua ida para Hogwarts, um colégio interno onde se aprende magia e bruxaria. Acontece que Harry Potter foi vítima de uma tentativa de assassinato quando bebê, em um episódio que matou os seus pais de deu-lhe uma cicatriz em forma de raio na testa. O homem que tentou matá-lo é Lord Voldemort, um vilão super poderoso, mas enfraquecido, que deseja encontrar uma maneira de adquirir novamente forma humana. A pedra filosofal do título está totalmente relacionada aos desejos de Voldemort, porque segundo a lenda um objeto deste tipo seria capaz de prolongar a vida de uma pessoa indefinidamente. O objeto foi fruto de uma fixação real dos alquimistas durante a Idade Média e o próprio Nicolas Flamel, citado no filme, existiu de verdade, embora não exista nenhum tipo de registro confiável que ele tenha encontrado o objeto que pudesse lhe dar vida longa.

A história de Harry Potter e Lord Voldemort guarda alguns elementos dicotômicos quase taoístas, que poderiam lembrar a oposição e complementação entre o bom e o mau, assim como o poder e a força podem significar tanto a salvação quanto a maldição conforme o caráter e a presença de espírito de quem os utiliza. Quando Olivaras está escolhendo a varinha de Harry, ele descobre que o instrumento ideal para o garoto é feito da mesma matéria prima da varinha que um dia ele vendeu para o jovem que se tornaria Voldemort. O chapéu seletor, que decide as casas que cada aluno irá pertencer no colégio de Hogwarts, por pouco não direciona Harry Potter para a Sonserina, a mesma casa que o seu antagonista fez parte no passado. A todo momento a história nos direciona para essa conclusão, de que existe uma relação muito íntima e forte entre o protagonista o homem que tentou um dia matá-lo. Além disso, fica implícito que o poder de Harry teria grande utilidade para o mal, caso ele fosse direcionado para o caminho que as trevas desejavam. O senso ético e de justiça do protagonista, no entanto, é sempre orientado por figuras importantes na história, como o bondoso Hagrid e o diretor de Hogwarts, Alvo Dumbledore, que embora discreto neste filme é certamente o referencial moral de Harry e seus amigos durante toda a sua permanência na escola de magia.

A direção de Columbus dá ao filme o tom dramático e ao mesmo tempo divertido que a história possui.  Embora a construção da narrativa e de alguns personagens seja muito pueril, o filme agrada e prende os seus espectadores por conta do mistério envolvendo a pedra filosofal e a descoberta de quem está por trás de sua captura dentro do colégio. A trilha sonora do lendário John Williams contribuiu para a construção da atmosfera sombria e ao mesmo tempo épica da história, com tomadas muito bem criadas no universo da computação gráfica, principalmente nas cenas dos jogos de Quadribol e nos personagens-monstros que aparecem na história, como o Trasgo e o cão "Fofo". Na grande sequência final do filme, quando Harry, Rony e Hermione precisam vencer uma série de desafios mágicos nos porões do castelo, é difícil que os fãs de jogos de vídeo-game e RPG não se identifiquem com a narrativa da história, que privilegia o talento individual de cada aluno nas etapas dos puzzles que enfrentam, que envolvem o conhecimento de herbologia, quadribol e xadrez bruxo.

Embora com algumas pontas soltas no roteiro e um antagonista extremamente fraco e apagado, o elemento da maldade é compensado pelo eloquente Draco Malfoy, uma criança egocêntrica que rivaliza com Harry em seus amigos em todos os sentidos, a princípio por puro sentimento de inveja. Os protagonistas possuem personalidades distintas. Harry é um jovem bruxo inexperiente, um pouco retraído mas com um potencial mágico fora do comum. Rony é atrapalhado, amigo e leal. Hermione talvez seja a personagem mais cativante, dona de um comportamento a princípio arrogante e presunçoso, mas cuja inteligência é elemento chave para a salvação de seus amigos. Um dos grandes talentos de J.K Rowling como contadora de histórias e que se reverberou para as telas de cinema foi a capacidade de criar nos espectadores verdadeira afeição e identificação pelos personagens, tanto os humanos quanto os não-humanos. E o ambiente escolar onde a história se desenvolve contribuiu ainda mais neste processo de identificação entre público e personagens, especialmente a plateia infantil e adolescente, que assistiu os filmes quando ainda frequentavam as escolas.

A adaptação do primeiro filme de Harry Potter para os cinemas foi um divisor de águas muito importante na apropriação de clássicos instantâneos da literatura para as telonas. Foi um dos primeiros momentos em que o público infantil e adolescente invadiu as salas de cinema pelo mundo afora, sentindo-se contemplado por ver o mundo de Harry Potter transformado em algo tão palpável. Ao longo dos anos, a expectativa para os novos filmes era cada vez maior, o que também acontecia com os livros, que foram sendo lançados nos anos posteriores empurrados pelo sucesso dos filmes. A cidade de Londres, tão cultuada como o berço do rock'n'roll, o palco da maturidade dos Beatles e a casa da monarquia inglesa tornou-se também a cidade do Harry Potter, que embalou e ainda embala o turismo na Inglaterra, principalmente nos pontos de interesse da história, como a estação de King's Cross e o Zoológico de Londres. Mesmo que não seja um primor em termos de narrativa, "Harry Potter e a Pedra Filosofal" foi certamente um belo arranque para o século XXI em termos de cinema voltado para o entretenimento de crianças e adolescentes, dando à história de J.K Rowling um horizonte maior do que o que a literatura por si só seria capaz de fazê-la alcançar. 

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