Assisti neste fim de semana, recomendado pela Cássia, o filme "Absorvendo o Tabu", documentário de curta-metragem indiano vencedor do Oscar 2019. A obra foi dirigida por Rayka Zehtabchi e no Brasil encontra-se disponível na plataforma Netflix. Antes de mais nada, preciso dizer que a presença do verbo "absorver" no título do curta não é por acaso: o filme indiano conta a breve história do surgimento de uma manufatura de absorventes em uma comunidade rural bastante humilde na Índia. Para nos mostrar o cotidiano das mulheres trabalhadoras na produção dos objetos, a direção do filme opta por inicialmente abordar a maneira como o assunto "menstruação" é evitado e tratado com um pudor excessivo pelas mulheres e muito desconhecimento pelos homens. O que já é comum em todo o planeta ganha contornos ainda mais intensos em um país como a Índia, cuja tradição religiosa milenar fez surgir no país uma sociedade patriarcal e conservadora.
Na minha experiência pessoal, lembro com clareza a primeira vez que vi um absorvente. Eu era uma criança de cerca de oito anos de idade e estava com minha mãe em uma loja no Morro da Glória, quando sua bolsa caiu no chão e escaparam dela alguns absorventes que estavam em um pacote. Eu corri para ajudar e quando peguei o objeto branco perguntei a minha mãe do que se tratava aquilo. Para nossa surpresa, recebemos uma resposta irônica e repugnante de um homem que estava ao nosso lado, uma resposta tão ignóbil que eu jamais esqueci e nem ouso contar neste blog. Vejam só: um homem que sequer havia sido chamado na conversa fez questão de responder a pergunta de uma criança a sua mãe sobre o que era um absorvente. Aquilo me marcou e acho que foi ali que descobri através de minha mãe que as mulheres menstruavam, o que acabei aprendendo com mais detalhes nas aulas de ciências na Escola.
Como é comum entre os seres que não menstruam, jamais pensei no assunto com muita profundidade ou considerei como deveria ser para a mulher atravessar esta fase durante todos os meses de sua vida desde a puberdade. Para homens pouco instruídos, a menstruação é somente uma data pouco bem-vinda para a atividade sexual e muito comemorada quando não se faz sexo com proteção. Eu mesmo pensava assim, até que li o quadrinho "A Origem do Mundo", de Liv Strömquist, uma obra que procura contar a história da vulva desde a pré-história até o mundo contemporâneo. Neste livro aprendi muitas coisas sobre o corpo e o comportamento da mulher, entre elas a importância da menstruação na vida de um ser feminino. Muito além dos significados relacionados ao ciclo sexual pelo qual as mulheres atravessam, descobri em "A Origem do Mundo" os aspectos místicos da menstruação, o seu impacto ambiental, a sua importância no corpo e no bem estar da mulher. Vi também como o assunto é tratado pela sociedade moderna e contemporânea como um tabu, muito embora tenha sido um assunto discutido abertamente por civilizações antigas (que tinham uma noção totalmente diferente da figura sagrada e religiosa do órgão feminino).
"Absorvendo o Tabu" - por ser apenas um curta-metragem financiado por estudantes que venderam bolos na faculdade para pagá-lo - não aprofunda tanto no assunto, mas nos mostra o que as próprias mulheres pensam sobre a menstruação e como tiveram de se virar para tentar popularizar o absorvente em seu país, cuja precariedade econômica impede até hoje que o produto tenha grande alcance nas prateleiras dos mercados, sobretudo com preços razoáveis. Os homens que nunca pensaram sobre o assunto vão certamente se surpreender com algo tão básico como a necessidade que as mulheres possuem de lidar quase uma semana, todo mês, com um fluxo sanguíneo que precisa ser contido para que possam viver normalmente em uma sociedade que não compreende que o sangue que sai de seus corpos não é sujo ou impuro, mas tão natural quanto as outras secreções habituais de nosso corpo. Por abordar de maneira tão sutil e ao mesmo tempo comovente um assunto tabu, este documentário disponível para todos na Netflix merece ser visto por aqueles empenhados em compreender e respeitar cada vez mais o universo feminino.
Esse curta é importante demais! Pode parecer bobo uma manufatura de absorventes, mas olha quanta reflexão trouxe pra você, e deve ter trago pra muitas pessoas que assistiram, incluindo homens e mulheres. Para nós, mulheres, é triste ver como algo TÃO natural ainda é tabu, mas que bom que existem pessoas produzindo conteúdos como esse pra que mais pessoas sejam alcançadas e tocadas. Obrigada pela abertura e pela disposição de estar sempre atento e cuidadoso. Te amo!
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