Esta é a mais nova produção da Netflix, um filme nacional produzido, dirigido e escrito por Petra Costa. Ainda não conhecia esta jovem cineasta cuja carreira já coleciona alguns prêmios em festivais e trabalhos bastante internacionalizados, inclusive em parcerias com Fernando Meirelles. O seu documentário "Democracia em Vertigem" surge em um momento bastante conturbado da política nacional, o que soa como uma redundância quando falamos de política brasileira. Em síntese, a proposta do filme é costurar uma narrativa possível e muito provável sobre a ascensão de Lula, o impeachment sofrido pela presidente Dilma Rousseff e a chegada ao poder de um grupo político conservador cujo maior representante é o atual presidente Jair Bolsonaro.
O documentário é narrado pela própria diretora, o que de certa forma me incomodou um pouco nos primeiros minutos, especialmente porque Petra Costa adota um tom de voz romantizado para falar da chegada dos Partido dos Trabalhadores (PT) ao poder. Ela relaciona este momento histórico ocorrido em 2003 com a própria história de sua família, formada por militantes de esquerda perseguidos durante o regime militar. Esta escolha não é apenas estilística, mas também política, porque aproxima a sua própria vida pessoal da trajetória de Lula e Dilma. Dá para perceber, inclusive, que Petra tem um bom trânsito com os dois ex-presidentes, por causa da qualidade das imagens geradas por ela em momentos íntimos da vida de Lula e Dilma, como no dia do impeachment e também no fatídico dia da prisão de Lula em abril do ano passado.
Os primeiros minutos do documentário me passaram a impressão de que o tom político do filme seria de certa apologia ao petismo, o que seria muito perigoso para a reputação de um filme que deveria buscar um certo consenso entre os seus espectadores, sobretudo por ter sido lançado na mais popular plataforma de streaming do Brasil, o que por si só já garante que o longa será assistido por um espectro de pessoas muito maior do que a bolha da esquerda brasileira. Felizmente, a narrativa de Petra se direciona mais para uma tentativa de costurar os fatos ocorridos pós 2013 do que para o esforço de sustentar a narrativa do próprio PT para o golpe. É claro que Petra se concentrou muito pouco na abordagem dos principais problemas do governo de Lula e Dilma, reduzindo os maiores deslizes éticos dos ex-presidentes à aproximação e associação com empreiteiros desonestos ou na aliança com o PMDB. Sabemos que Dilma, especialmente, errou muito mais do que isso.
Descontando essa provável ingenuidade política de Petra, o documentário se sustenta muito bem na demonstração dos eventos que causaram o impeachment de Dilma, apresentando vídeos, diálogos e imagens contundentes para nos demonstrar que a ex-presidente foi vítima de golpe político. Pode parecer que Petra demonstrou o óbvio, mas existe uma parcela muito grande da opinião pública e da própria classe política brasileira que discorda veementemente que o impeachment em 2016 tenha sido de fato um golpe. O documentário vai além, relacionando o processo de impeachment com o andamento do processo judicial movido contra o presidente Lula, costurando precisamente uma narrativa que nos demonstra com clareza os interesses políticos em abafar a lava jato através da ascensão de Temer e acelerar o processo de prisão de Lula objetivando minar as chances do PT nas eleições de 2018, em um conluio judicial e político cujos protagonistas foram o procurador Dallagnol e o juiz-procurador Sergio Moro.
As cenas mais intensas e talvez apaixonadas do documentário são aquelas do desfecho, com a prisão de Lula após um discurso inflamado no sindicato dos metalúrgicos, seguido do momento em que o ex-presidente foi literalmente levado dos braços do povo para a prisão. Não há no filme preocupação em abordar a suposta culpabilidade de Lula nos esquemas de pagamento de propina investigados pela Lava Jato, mas o foco é a construção de provas e a aliança promíscua entre o MPF, judiciário e imprensa em uma busca desvairada por prender o ex-presidente. É claro que esta opção política vai custar caro a Petra, que será certamente acusada por ter produzido um documentário pró-Lula. A autora do filme insiste em sustentar no seu filme, a meu ver acertadamente, a tese muito difundida pelo sociólogo Jessé de Souza, segundo a qual os verdadeiros culpados pelo atraso econômico brasileiro são os empresários e não exatamente os políticos.
Petra Costa, ela própria neta do fundador de uma empresa alvo da Lava Jato, constrói um filme eloquente e convincente em sua tentativa bem sucedida de demonstrar que os eventos ocorridos no Brasil após os protestos de 2013 culminaram na ascensão de grupos políticos conservadores hoje representados por Bolsonaro. Acontece que a diretora falha em documentar e dar voz às camadas populares que elegeram o atual presidente do Brasil, apresentando de forma caricata a base de Bolsonaro como formada por idiotas ou insanos, um erro muito comum e pouco percebido pela esquerda brasileira. Ao fim do documentário, temos a impressão de que a base política que elegeu Bolsonaro é composta exclusivamente pelos "verdes e amarelos" batedores de panelas na Avenida Paulista, um grave equívoco quando sabemos que o atual presidente do Brasil foi eleito com mais de 57 milhões de votos. "Democracia em Vertigem" é um documentário importante para compreender e fortalecer a narrativa do golpe, mas é absolutamente ineficaz para a compreensão do fenômeno Bolsonaro, eleito como o segundo presidente mais votado da história do Brasil.
Acredito que o intuito do doc não seja focar na ascensão do Bolsonaro, mas mostrar a sucessão de fatos lamentáveis que acabaram culminando na eleição do atual presidente. O título diz tudo: democracia em vertigem. Não pelo fato de que Bolsonaro foi eleito, pois ele foi eleito democraticamente, mas o que aconteceu antes com a nossa democracia, a ponto das pessoas elegerem um cara como ele. O golpe. Obviamente o conteúdo tem o viés da Petra, isso fica bem claro, bem como a abertura maior que ela recebe por parte de Lula e Dilma, que em contra partida, não se ve muito do lado direito...
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