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domingo, 14 de julho de 2019

Frances Ha

A primeira vez que todo mundo ouviu falar em Greta Gerwig foi em "Frances Ha", filme de 2012 dirigido e co-escrito por Noah Baumbach, responsável pelo elogiado "A Lula e a Baleia" (2005). Greta também escreveu o roteiro de "Frances Ha" e deu os seus primeiros passos como cineasta quando finalmente apresentou ao público o seu trabalho mais maduro: "Lady Bird" (2017), que lhe rendeu a indicação ao Oscar de melhor diretora (a quinta mulher indicada na história da categoria) e de roteiro original. Desde então, Greta Gerwig tem gerado muita expectativa em relação aos filmes que está por fazer, sendo hoje uma das cineastas mais importantes do cinema norte-americano, mesmo que ainda com 35 anos. Greta é filósofa formada em Columbia, dançarina e autora representante de um subgênero chamado cinema auto-biográfico.

Em "Frances Ha", Greta interpreta uma jovem de Sacramento que vive em Nova York, onde divide um apartamento com sua melhor amiga. O filme individualiza um tipo de residente nova-iorquino muito comum: o jovem entre 20 e 30 anos que deixa a sua cidade natal interiorana para estudar e viver a experiência de morar em uma metrópole onde não apenas terá mais oportunidades na carreira, mas também onde poderá experimentar tudo aquilo que as grandes cidades proporcionam: comida estrangeira, cultura cosmopolita e pessoas diferentes. Frances é professora de dança e aspira uma carreira no mundo artístico, embora fique muito claro para nós (pela interpretação de Greta e seus trejeitos) que ela possui pouco talento como dançarina. Frances é estabanada, muito alta e tagarela. Um de seus colegas de apartamento (porque ela muda de endereço algumas vezes durante a história) a classifica como "inamorável" e de fato a protagonista tem certa repulsa por relacionamentos. Logo no início da história ela rompe com seu namorado e mais tarde ela tem um chilique rápido quando um cara encosta nela depois de um encontro. 

O roteiro tem essa preocupação de mostrar que Frances acredita ser capaz de viver feliz sem um relacionamento, muito embora em alguns momentos seja possível perceber certa angústia na protagonista, um pouco carente, principalmente da atenção de sua melhor amiga Sophie. Mas a maior angústia de Frances é a distância da cidade natal, dos pais, a falta de dinheiro e a possibilidade de que ela não consiga realizar o seu maior sonho, que é se sustentar sendo dançarina. A exemplo de "Lady Bird", o filme poderia cair naquela crítica com certo fundamento de que a história toda é mero "white people problem" e o roteiro até tenta dizer para o espectador que sabe que é muito pueril, principalmente quando Frances diz ao amigo que é uma pessoa pobre, ao que ele corrige dizendo que isso seria uma injustiça com as pessoas pobres de verdade. Será que uma obra escrita por uma autora branca, dirigida por um homem branco e cujos personagens são também todos brancos não poderia alcançar uma crítica social mais profunda do que dizer que existem pessoas mais pobres que Frances? Poderia sim, mas parece que Greta Gerwig ainda não queria tratar disso quando escreveu seu primeiro filme.

Mas é possível julgar o filme e a história dentro da bolha burguesa de Manhattan, e nesse sentido o filme até se parece um pouco com algumas das melhores comédias de Woody Allen (ele próprio um nova-iorquino apaixonado), de onde inclusive deve ter sido tirada a inspiração de Noah Baumbach pela fotografia em preto e branco, uma marca do trabalho mais notório de Allen. Não deixa de ser interessante que "Lady Bird" seja na verdade uma história muito semelhante a de Frances, só que na perspectiva da jovem antes de deixar a cidade de Sacramento. Os dois filmes deveriam ser vistos em dobradinha, mas na ordem inversa em que foram lançados. "Frances Ha", mesmo que seja uma comédia, é na realidade um curto drama sobre uma jovem de 27 anos angustiada pelos caminhos absolutamente desconhecidos na vida de quem optou por deixar a confortável rotina interiorana ao lado dos pais para viver em uma grande cidade. Esta "corda bamba" vivida pela protagonista é representada nas muitas mudanças de endereço que ela sofre, pelas suas relações sociais um pouco rasas e principalmente em sua constatação final de que às vezes é preciso aceitar que podemos não caber naquilo que sonhamos pra nós ou que não faz mal nos podar um pouco se isso nos trouxer alguma paz de espírito. Esta ideia é brilhantemente representada na cena em que a protagonista, Frances Halladay, vira "Frances Ha", para que seu nome caiba na etiqueta do interfone do apartamento em que finalmente vai morar sozinha.

2 comentários:

  1. Estou desde ontem refletindo sobre essas filmagens que meus olhinhos -felizmente- puderam ver. Ainda não sei dizer muito bem tudo que ele me provocou, embora no momento em que assistia, pouco percebi o meu remelexo sentimental. Mas ele veio. E veio forte. Concordo que o filme não se aprofunda em questões mais sociais, e sim em um único ponto: um problema comum de quase todas pessoas em transição da fase jovem para adulta, e creio que exatamente por isso o filme me chamou atenção. É o cotidiano de uma mulher (mulheres protagonistas <3) tentando se achar, encontrar seu lugarzinho no mundo - ou em NY- , e quem nunca passou (ou vai passar) por isso? Me vi na Frances, quando vejo nela e em mim a vontade de viver de arte mesmo que as chances sejam remotas, dessa ingenuidade - e feliz mania - de não deixar de sonhar, de ter uma alma até infantil e comportamentos inesperados em alguns lugares. Eu sou meio (muito) assim, e a cena que ela corre no encontro pra sacar dinheiro, seria eu sentada com um pé na cadeira em um restaurante chic hahaha. Não concordo que a personagem esteja fugindo de relacionamentos, acho que sim, não é qualquer relacionamento que lhe cabe, e ela prefere estar só do que viver algo que não transborda. Ela sonha sim com um relacionamento e com um amor, que não é o convencional, é o amor que se encaixa com quem ela é, e quem quer ser. As pessoas são inamoraveis pra ela, e não o contrário. Cheguei a comentar que ela chegava a ser chata falando tanto sem parar em momentos talvez inoportunos, mas essa característica deixa Frances tão mais vulnerável no roteiro, que pensando agora combina bem com toda produção. Mas dizer que ela esteve vulnerável não quer dizer que ela seja fraca, pelo contrário, ela esteve vulnerável em vários momentos e seguiu, mudou-se inúmeras vezes, resolveu seus conflitos e deu um jeito na vida, do seu jeitinho, do jeitinho que ela quis levar, com um jeito infantil, falante, desengonçada, sonhadora, artista, amiga leal e com muito amor próprio. No fim, é sobre isso. Ela se ama a ponto de não se mudar pra se tornar o que esperam que ela se torne. Ela achou seu lugar. <3
    Ps: que sejamos todos mais Frances, e meu deus, como é difícil ser.

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    1. Interessante você ter comentado sobre a cena que ela sai correndo do encontro pra buscar dinheiro, porque é uma cena que esqueci de comentar. Aquele momento é muito ligado à personalidade dela, de ser uma mulher independente que poderia sim pagar aquela conta se quisesse, mesmo que tivesse que correr uma maratona pra chegar no caixa eletrônico e ainda voltar bem plena pra sentar na frente do cara. kkkk

      Acho que o jeito dela muito falante tem a ver com o fato de que ela não se encaixa muito no padrão das pessoas que ela conversar. Aquele povo falando de família, de algumas coisas fora do alcance dela naquele momento e ela falando coisas de uma maneira bem superficial que é o modo como as pessoas na idade dela (na sua e na minha também), enxergam o mundo sem o caretismo das pessoas que envelhecem antes do tempo ou que envelhecem e passam a falar de coisas de pessoas velhas. haha

      Um beijo e obrigado pelo comentário!

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