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terça-feira, 30 de julho de 2019

O Escafandro e a Borboleta

Este é um belo filme franco-estadunidense do ano de 2007, dirigido por Julian Schnabel, mesmo diretor de "Basquiat" (1996). O longa conta a história real de Jean-Dominique Bauby, um poderoso jornalista francês que editou a revista de moda Elle durante um tempo de sua carreira. Acontece que em 1995, aos 43 anos de idade, Bauby sofreu um acidente vascular cerebral que paralisou todo o seu corpo. Condenado a permanecer para sempre em um hospital e em uma cadeira de rodas, o paciente é incentivado por sua fonoaudióloga a testar um método de comunicação criado por ela, através do qual Bauby poderia se comunicar utilizando o piscar de sua pálpebra. Mesmo que a princípio Bauby tenha sido reticente quanto ao método, ele acabou provando-se eficaz ao ponto do jornalista ter escrito um livro utilizando a técnica com a ajuda de uma assistente. Este livro, chamado "O Escafandro e a Borboleta", deu origem ao filme homônimo. 

A direção de Schnabel tomou uma decisão corajosa ao filmar a história quase sempre a partir da perspectiva de Bauby, com a câmera em uma posição que nos coloca no lugar do paciente vítima de um AVC inesperado. Durante o filme nos vemos várias vezes deitados na maca de um hospital, sentados em uma cadeira de rodas, fazendo fisioterapia e recebendo visitas, sempre com um ângulo de visão limitado pela própria visão de Bauby (monocular, diga-se de passagem). A direção propositalmente faz com que o espectador sinta de alguma forma a angústia do protagonista, criando uma identificação muito maior entre público e personagem do que se a história tivesse sido filmada de maneira mais tradicional. Outra escolha ousada do roteiro é abordar a narrativa de Bauby sem grandes preocupações com a linearidade de sua história, evitando o clichê de uma linha do tempo que se inicia no acidente e termina em sua morte. Por essa razão o filme tem muitos flashbacks da vida de Bauby antes do AVC, nos revelando aspectos de sua relação com o pai, com os filhos e com a ex-esposa, relações estas que explicam de alguma maneira o apoio que Bauby recebeu (ou não recebeu) quando foi morar para sempre em um hospital.

Um elemento muito interessante no filme é que podemos a todo momento ouvir a narração da história a partir da voz de Bauby, justamente a voz que ele se torna incapaz de reproduzir para o resto da vida após o derrame. Este eu-lírico que nós espectadores temos a oportunidade de conhecer é nada mais nada menos do que o "eu" que Bauby pôde revelar ao escrever o seu livro com a técnica de sua fonoaudióloga. E é neste ponto que o título de seu livro guarda grande relação com o processo de auto-conhecimento de Bauby, que se vê preso como em um escafandro, com os movimentos e a fala limitada, mas percebe que há dentro de seu casulo uma borboleta que pode voar: a sua memória e imaginação. A narração de Bauby no filme, que provavelmente reproduziu muitos trechos do livro, é poética, verdadeira e emotiva, sendo sem dúvidas o ponto alto da história. As cenas narradas por Bauby são muito melancólicas, acompanhadas por uma trilha sonora tocada em piano e alguns jump cuts típicos do clássico cinema francês. A direção do filme conseguiu com sucesso demonstrar o estado de espírito do protagonista e transmiti-lo aos espectadores.

O elenco do filme tem como protagonistas Mathieu Amalric e Emmanuelle Seigner, que por acaso é a mesma dupla de atores de "A Pele de Vênus", obra de Roman Polanski. Mathieu em especial deve ter feito um dos papéis mais difíceis de sua carreira, representando um homem vítima de AVC e tendo que atuar a todo momento com o rosto contorcido, sem que isso pareça de alguma maneira cômico ou demasiadamente antinatural. Ao ver "O Escafandro e a Borboleta" me lembrei de "Mar Adentro", filme espanhol de 2004 e "Meu Pé Esquerdo", de 1990. Acontece que no caso da história de Bauby não há verdadeiras possibilidades de superação do protagonista para além da escrita de seu livro, que por si só já foi um feito quase inacreditável dadas as suas condições de saúde. O filme então não se concentra propriamente em Bauby e sua condição, mas sim no que o jornalista foi e no que ele passou a ser, com referências diretas até a Ozymandias, um faraó personagem do soneto de Percy Shelley, que passou de rei poderoso a apenas fragmento de uma estátua. "O Escafandro e a Borboleta" é uma obra sobre a efemeridade do poder e da riqueza, mas também sobre a inacreditável resistência da criatividade, da imaginação e dos sentimentos.

Um comentário:

  1. Belíssima análise! Pra mim o ponto alto do filme é,sem dúvidas, a câmera. Como você disse, o jeito que o filme todo se passa com os expectadores tendo a visão limitada dele, torna a experiência de ver o filme mais dramática e angustiante. Outro ponto interessante é que mostra bem como que somos frágeis e vulneráveis ne? Ele tinha grana, uma vida confortável, boa, podia usufruir de vários privilégios, e o jeito que tudo aconteceu nos faz perceber como que tudo isso não é nada! Que ninguém está a salvo de nada e todo mundo está sujeito a tudo.

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