"Volver", de 2006, é um dos filmes mais famosos do cineasta espanhol Pedro Almodóvar. Assisti a obra pela primeira vez quando ela foi lançada em DVD pela Folha em uma coleção especial com 25 filmes europeus, há oito anos. De todos os longas de Almodóvar, "Volver" deve ser um dos mais premiados e queridos pela crítica, mesmo que não seja necessariamente sua obra-prima. Na minha memória afetiva o filme era melhor do que penso hoje depois de assistir a ele um pouco mais adulto e isto provavelmente tem a ver menos com a técnica do diretor do que com a narrativa novelesca do roteiro e a sua pouca densidade dramática, mais gráfica e visual do que eloquente.
O filme, em consonância com a filmografia de Almodóvar, tem as mulheres como protagonistas e força motriz do enredo, que por sinal poderia se desenvolver tranquilamente sem a presença de nenhum homem em cena. Não apenas a força das mulheres é transparente na obra, mas também a presença do sangue que corre em suas veias, uma maneira bastante poética de provocar o espectador e ao mesmo tempo brincar com a ideia oculta da menstruação feminina, como nas muitas vezes em que vemos roupas, flores, carros e tantos outros objetos de cor vermelha em destaque nas tomadas do diretor. Há uma cena em especial que mescla todos estes símbolos: uma visão superior dos seios da personagem de Penélope Cruz enquanto ela lava uma faca ensanguentada. Temos nesta cena uma espécie de síntese de "Volver": o empoderamento das mulheres não como um mero discurso retórico, mas como uma necessidade feminina diante da estupidez e falta de caráter dos homens.
É por isso que seria impossível falar de "Volver" sem falar da maneira como as mulheres são representadas na obra, todas elas. Raimunda (interpretada por Penélope Cruz) e sua irmã Sole (Lola Dueñas) são trabalhadoras e não dependem financeiramente de ninguém. As duas perderam os pais em um incêndio, mas um acontecimento de conotações sobrenaturais (o que lembra muito a escrita fantástica e realista-mágica de escritores de língua espanhola como Gabriel Garcia Márquez), faz as duas ter que lidarem com uma ressignificação de sua própria história familiar. Esta guinada no roteiro, que a princípio parece ao espectador uma fuga da realidade, está na verdade conectada com a ideia de "retorno" que o título do filme propõe, bem como a abordagem da culpa, do perdão e do recomeço em três gerações de mulheres marcadas por abusos cometidos por homens.
Falta um pouco de conteúdo em "Volver" e a experiência de assistir a um filme tão bem filmado e com tão boas atrizes (incluindo a lenda do cinema espanhol Carmen Maura) parece muito breve e de fraca intensidade. O falso realismo mágico do roteiro não se desdobra em nada mais do que um drama bem escrito sobre mãe, filha e neta, com revelações surpreendentes típicas de uma novela mexicana, o que não seria necessariamente um demérito considerando que estamos falando de um filme de Almodóvar. Acontece que a sensação final ao assistir "Volver" é que o filme não passa de tudo isso, com poucas possibilidades de análises que vão além do protagonismo feminino ou da técnica de filmagem de Almodóvar, esta sim um presente para os olhos do espectador, que a cada objeto vermelho em cena sente seu coração pulsando junto com as protagonistas.
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