Aproveitando o hype de "Bacurau" e que a Netflix decidiu finalmente lançar o primeiro longa de Kleber Mendonça Filho em seu catálogo, assisti neste final de semana "O Som ao Redor", de 2012. O filme aborda essencialmente a segurança e as relações de poder em um bairro classe de classe média do Recife. Eu assisti aos filmes de Kleber Mendonça Filho fora de ordem e preciso confessar que considero "O Som ao Redor" um filme mais denso que "Bacurau", mesmo que tecnicamente mais limitado.
Em resumo, o primeiro longa do cineasta fala sobre segurança, o segundo sobre especulação imobiliária e o terceiro e último sobre imperialismo e resistência. Apesar das particularidades de cada filme, dá pra enxergar uma grande consistência temática (e estilística) na obra do diretor, que de alguma forma costura os temas dos roteiros de todos os seus filmes de maneira semelhante a um de seus mentores no cinema: Quentin Tarantino.
Cena de "O Som ao Redor". A mãe com os filhos literalmente sobre suas costas. |
Em "O Som ao Redor" acompanhamos a rotina do quarteirão de um bairro recifense acometido por uma criminalidade que no filme se resume a furtos reiterados de casas e carros na região. A história do longa se desenvolve justamente a partir do roubo de um som de carro, o que de certa maneira se relaciona ao título do filme e a ideia da violência que circunda e assombra uma vizinhança. É claro que o título também remete aos constantes ruídos que preenchem a rotina de uma rua com tantas casas e prédios com muitos apartamentos.
O incômodo causado pela presença do outro e os conflitos resultantes do "morar ao lado" são constantes no roteiro, representados por elementos explícitos como o cão que late e incomoda a vizinha, as crianças que jogam futebol na rua e até mesmo as vizinhas que se estapeiam na rua por trivialidades como o tamanho de seus televisores. Há dois personagens chaves na história, que formam dois núcleos diferentes que não se encontram apesar de coabitarem o mesmo espaço no bairro: uma mulher que vive com os filhos e um jovem corretor imobiliário.
O incômodo causado pela presença do outro e os conflitos resultantes do "morar ao lado" são constantes no roteiro, representados por elementos explícitos como o cão que late e incomoda a vizinha, as crianças que jogam futebol na rua e até mesmo as vizinhas que se estapeiam na rua por trivialidades como o tamanho de seus televisores. Há dois personagens chaves na história, que formam dois núcleos diferentes que não se encontram apesar de coabitarem o mesmo espaço no bairro: uma mulher que vive com os filhos e um jovem corretor imobiliário.
Apesar destes dois núcleos, o que dá liga ao filme é na realidade a chegada de uma equipe de vigilância privada ao bairro, uma espécie de soft milicia que bate de porta em porta e oferece os seus serviços aos moradores da região em troca de um pagamento mensal muito abaixo do preço de mercado. Quando estes homens aparecem na história, descobrimos que um dos protagonistas (o corretor de imóveis) é neto de um grande proprietário da região, um coronel moderno de comportamento intimidador, cínico e arrogante, que exige dos vigias a sua "bênção" para que operem no bairro.
A partir daí, o roteiro de Kleber Mendonça Filho se embaraça em uma série de temas, como se roteiro e direção tivessem se tornado subitamente ansiosos por representar na tela tudo aquilo que desejam. A falta de organização das ideias do longa incomoda o espectador, ainda que o clima arrastado e por vezes misterioso do filme sejam pontos a favor na criação de uma expectativa crescente que consegue se sustentar até o fim, em um desfecho razoavelmente satisfatório.
A partir daí, o roteiro de Kleber Mendonça Filho se embaraça em uma série de temas, como se roteiro e direção tivessem se tornado subitamente ansiosos por representar na tela tudo aquilo que desejam. A falta de organização das ideias do longa incomoda o espectador, ainda que o clima arrastado e por vezes misterioso do filme sejam pontos a favor na criação de uma expectativa crescente que consegue se sustentar até o fim, em um desfecho razoavelmente satisfatório.
Tanto a história do corretor de imóveis, um jovem mal nutrido por um romance sem sal, quanto as sequências envolvendo uma mãe de família solitária e insatisfeita com os latidos do cão vizinho contribuem para a criação de um clima febril na obra, como se a algum momento algo mais importante fosse acontecer, o que efetivamente não se concretiza. Mas ainda assim o filme acerta, porque o seu trunfo está nos detalhes, nas relações de poder entre os personagens e nas múltiplas formas de abordagem do cotidiano de pessoas comuns em um bairro médio nordestino, que mesmo não sendo necessariamente uma vizinhança rica é "proprietária" o suficiente para que algumas pessoas se julguem melhor do que outras, principalmente o poderoso chefão e dono do bairro, Sr. Francisco.
A crítica das relações de poder entre os personagens opressores e oprimidos no filme se manifesta através de algumas sutilezas interessantes, como a presença constante da família negra no apartamento de um dos protagonistas - que acolhe os seus empregados de maneira cordial, mas não vive sem alguém que lhe faça a janta - ou então na cena da reunião de condomínio em que o mesmo personagem defende a não demissão do porteiro do prédio, mas é incapaz de permanecer na reunião até o fim, pois tem outros compromissos.
Conforme o filme avança, o que se percebe é uma certa antecipação do roteiro ao invocar uma série de temas que se alastram na história sem que sejam trabalhados com profundidade, de modo que algumas cenas parecem fortuitas ou inúteis, como em quase todas as sequências envolvendo a dona de casa (Bia) interpretada por Maeve Jinkings, a melhor atriz do filme. O "som ao redor" da vida de Bia é o constante latido dos cães do vizinho e o vazio de sua vida presa em um apartamento, cuidando dos filhos, fumando maconha escondida e insatisfeita com o seu marido, representando como um zero à esquerda. Ainda que as sequências de Bia se relacionem de alguma forma com o resto do enredo, há pouca conexão entre ela e a história que poderíamos considerar como o mote principal do filme, que é aquela vivida pelos vigilantes, o jovem corretor de imóveis e Francisco.
Mesmo neste núcleo de personagens há algumas fugas do enredo injustificáveis, como a longa sequência na antiga casa-grande escravocrata de Francisco, onde um banho de cachoeira se transforma em um banho de sangue, um momento muito breve que dá ao filme um surrealismo inesperado. Falando em sangue, o primeiro longa de Kleber Mendonça Filho já seguia o caminho da vingança e da reparação histórica entre oprimidos e opressores, o que se observa na cena final, menos explícita e mais politicamente operante do que qualquer outra em "Bacurau"."O Som ao Redor" é atualmente um dos melhores filmes do catálogo nacional da Netflix.
A crítica das relações de poder entre os personagens opressores e oprimidos no filme se manifesta através de algumas sutilezas interessantes, como a presença constante da família negra no apartamento de um dos protagonistas - que acolhe os seus empregados de maneira cordial, mas não vive sem alguém que lhe faça a janta - ou então na cena da reunião de condomínio em que o mesmo personagem defende a não demissão do porteiro do prédio, mas é incapaz de permanecer na reunião até o fim, pois tem outros compromissos.
A cena-absurda que coroou o filme esteticamente. |
Conforme o filme avança, o que se percebe é uma certa antecipação do roteiro ao invocar uma série de temas que se alastram na história sem que sejam trabalhados com profundidade, de modo que algumas cenas parecem fortuitas ou inúteis, como em quase todas as sequências envolvendo a dona de casa (Bia) interpretada por Maeve Jinkings, a melhor atriz do filme. O "som ao redor" da vida de Bia é o constante latido dos cães do vizinho e o vazio de sua vida presa em um apartamento, cuidando dos filhos, fumando maconha escondida e insatisfeita com o seu marido, representando como um zero à esquerda. Ainda que as sequências de Bia se relacionem de alguma forma com o resto do enredo, há pouca conexão entre ela e a história que poderíamos considerar como o mote principal do filme, que é aquela vivida pelos vigilantes, o jovem corretor de imóveis e Francisco.
Mesmo neste núcleo de personagens há algumas fugas do enredo injustificáveis, como a longa sequência na antiga casa-grande escravocrata de Francisco, onde um banho de cachoeira se transforma em um banho de sangue, um momento muito breve que dá ao filme um surrealismo inesperado. Falando em sangue, o primeiro longa de Kleber Mendonça Filho já seguia o caminho da vingança e da reparação histórica entre oprimidos e opressores, o que se observa na cena final, menos explícita e mais politicamente operante do que qualquer outra em "Bacurau"."O Som ao Redor" é atualmente um dos melhores filmes do catálogo nacional da Netflix.
Nenhum comentário:
Postar um comentário