Páginas

terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Adoráveis Mulheres


"Adoráveis Mulheres" é o segundo filme dirigido pela talentosa Greta Gerwig, uma das mais proeminentes cineastas norte-americanas, que possui uma relevante carreira como atriz, escritora e diretora. Seu trabalho de estreia na direção foi "Lady Bird" (2017), já comentado aqui no blog, que foi indicado ao Oscar em várias categorias, dentre elas o de melhor filme. Outro trabalho de destaque de Greta foi como co-autora de "Frances Ha" (2012), também comentado aqui no blog, que foi dirigido por Noah Baumbach, marido de Greta.

É interessante que os dois cineastas, um prolífico casal, foram ambos indicados ao Oscar 2020 na categoria "melhor roteiro", ele como roteirista de obra original e ela como roteirista de obra adaptada. Além disso, tanto "Adoráveis Mulheres" quanto "História de um Casamento" (o filme de Noah) foram indicados ao prêmio de melhor filme. 

O casal de cineastas Greta Gerwig e Noah Baumbach. Se antes os dois trabalhavam juntos, agora parecem ter carreiras independentes e igualmente consolidadas.

O mais novo filme de Greta Gerwig é na realidade nova adaptação cinematográfica de muitas que já foram feitas tendo como base o mesmo livro, que no Brasil é chamado de "Mulherzinhas", escrito por Louisa May Alcott e publicado em 1868. Eu não li a obra original, mas ela foi recentemente reeditada em português e pela contra-capa do livro pude constatar que o trabalho de Alcott foi antes levado para o cinema com maior sucesso em 1994 e também em uma ópera e mais tarde musical da Broadway.

Pela maneira como a obra original rendeu frutos nos mais diversos meios de expressão, dá pra imaginar o potencial do texto do século XIX e a sua capacidade de dialogar com gerações posteriores para falar de temas atemporais e universais. Creio que foi enxergando essa universalidade do texto que Greta, com a usual inclinação autobiográfica de seu trabalho e a sua inteligência política feminista, decidiu escrever o roteiro de "Adoráveis Mulheres" e dirigir o seu segundo filme.

Um filme com mulheres protagonistas, escrito e dirigido por uma mulher. Nada mais coerente para Greta Gerwig.

Não conheço o conteúdo do livro original de 1868, mas o roteiro de Greta narra a história de quatro jovens mulheres nascidas e criadas no norte dos Estados Unidos, vivendo as suas adolescências durante a Guerra de Secessão. O foco da narrativa está em Jo (protagonista da história e eu-lírico da autora, como é comum nos trabalhos de Greta), interpretada por Saoirse Ronan. Todas as jovens do filme são criadas somente pela mãe, já que o pai está servindo na Guerra.

As garotas - adoráveis mulheres - possuem grande ímpeto artístico e uma personalidade extrovertida e cativante, que logo a transformam em pessoas queridas entre os vizinhos da região onde moram na Nova Inglaterra, principalmente um simpático e solitário nobre local, que por ter perdido uma filha se simpatiza com as meninas, especialmente uma delas, que toca piano. O filho deste homem nobre é um jovem divertido e desapegado, cujo espírito boêmio acaba atraindo a atenção das garotas que o acolhem em um grupo de teatro que possuem, com sede no sótão de sua casa.

Os personagens Jo e Laurie, interpretados por Saoirse Ronan e Timothée Chalamet, dois dos grandes atores da atualidade. Os dois já haviam trabalhado juntos em "Lady Bird" e ambos já foram indicados ao Oscar.

O roteiro segue por caminhos que muito nos lembram os livros de Jane Austen ou mesmo as histórias das irmãs Brontë, que são inclusive referenciadas no filme. A escrita de Gerwig é um emaranhado de histórias contadas em temporalidades que vão e vem ao longo do filme, de maneira a princípio um pouco confusa, mas que logo se ajustam na mente do espectador. O fio da meada é certamente o sonho de Jo em se tornar uma escritora de sucesso, mas que precisa deixar a Nova Inglaterra e partir para Nova York para alcançar o seu sonho (uma ideia também recorrente em "Frances Ha" e "Lady Bird").

Jo acaba retornando à terra natal por problemas familiares e se divide entre o sonho profissional e a pressão social (encarnada na figura de sua tia) que tenta a convencer de que somente teria algum futuro na vida se fosse casada com um homem rico. Embora isto pareça um lugar-comum em filmes do gênero (romances de época), a escrita de Gerwig consegue inserir na história um poderoso discurso político de empoderamento feminino - consciente das limitações que existiam à época - de maneira a transformar o seu filme em uma convincente e prazerosa narrativa politizada e encantadora.

Cena do filme, com elenco estrelado, grandes interpretações e bela fotografia. 

Sem esbarrar no perigoso e atrativo elóquio panfletário que algumas obras de cunho feminista podem se transformar, Greta Gerwig - ela própria uma mulher feminista e engajada - reconhece em seu texto que a sua protagonista é uma mulher do século XIX e que mesmo na ficção dificilmente poderia negar que o modelo patriarcal de apreciação de obras literárias à época era quem ditava as regras do que era literatura ou não. Se assim o fizesse, estaria produzindo um conto de fadas.

Ciente disso, a diretora e roteirista dá ao seu filme um desfecho irônico e inteligente, reconhecendo a impotência de sua protagonista diante de certos entraves, mas demonstrando o caminho encontrado pelas mulheres até que elas próprias pudessem enfim ditar o destino de seu trabalho, como ela hoje provavelmente o faz, dona e soberana de seu cinema criativo e inteligente, um dos mais importantes do século XXI.

Um comentário:

  1. +1 filme dela guardadinho no meu coração! Gosto do olhar sensível dela pra abordar questões de gênero de forma não clichê.

    ResponderExcluir