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quinta-feira, 30 de abril de 2020

Contatos Imediatos do Terceiro Grau


Embalado pelo imenso sucesso de "Tubarão" (1975), o melhor filme de sua carreira até então, Steven Spielberg estava no ano de 1976 com a moral elevada e carta branca garantida em Hollywood para que os estúdios financiassem qualquer projeto seu. Foi assim que o diretor norte-americano tirou do bolso um roteiro antigo, escrito antes mesmo de Tubarão, e apresentou o rascunho para a Columbia Pictures, que na mesma hora decidiu bancar o plano maluco de Spielberg para contar uma história original de óvnis, quando o assunto nem era tão badalado assim no cinema comercial.

Esta é, basicamente, a origem do nascimento de "Contatos Imediatos do Terceiro Grau" (1977), um dos filmes de ficção científica mais reverenciados da história do cinema, lançado no mesmo ano do primeiro episódio de "Star Wars", de George Lucas, outro grande sucesso do gênero.

J. Allen Hynek, o ufologista que influenciou Spielberg e o título de seu filme.

As influências de Spielberg na criação da história do filme tiveram origem em experiências que teve quando criança, ao avistar uma chuva de meteoros com seu pai, e uma crescente fixação pessoal do cineasta por ufologia na sua vida adulta, inspirado principalmente pelo trabalho do astrônomo J. Allen Hynek (que cunhou o termo que dá origem ao título e até fez uma pontinha como ator em uma das cenas finais). Segundo Hynek o "contato em terceiro grau" seria o ato de ver pessoalmente um alienígena ou um objeto não identificado.

É exatamente isso o que acontece com o protagonista do filme de Spielberg, Roy Neary, um sujeito pacato e simplório que acaba tendo contatos diretos com uma nave alienígena, se tornando um homem muito perturbado psicologicamente depois desta experiência. Roy decide abandonar sua família em busca de contato com os extraterrestres e tem em sua missão uma companheira, Jillian, cujo filho também teve experiência semelhante e parece obcecado em partir para o céu com os novos visitantes.

Roy, interpretado por Richard Dreyfuss, na famosa cena do purê de batata.

Para compor o seu elenco, Spielberg chamou Richard Dreyfuss para o papel principal, após a negativa de Steve McQueen, Dustin Hoffman e Al Pacino. A escolha por Dreyfuss se deu por duas razões principais: a experiência prévia com o ator em "Tubarão" e a insistência do artista por este trabalho, já que o próprio Dreyfuss sempre acreditou que o papel do protagonista Roy deveria ser feito por um sujeito comum, um tipo que ele sabia encarnar muito bem. A verdade é que a escolha me pareceu irrelevante, porque o personagem de Roy é tão pouco cativante que dificilmente outro ator mais competente à época poderia salvá-lo.

A grande surpresa no elenco é certamente François Truffaut no papel de um francês intelectual que faz a mediação entre o governo dos EUA e os extraterrestres visitantes. Digo que a presença de Truffaut é surpreendente não porque ele esteja bem no filme (e está), mas sim porque é difícil compreender por qual razão um dos diretores mais importantes do cinema universal toparia um trabalho como ator em um filme de Spielberg (que à época era somente um diretor em ascensão). A verdade é que o amor de Truffaut pelo cinema certamente motivou a sua presença nos estúdios de Hollywood, para testemunhar de bem perto aquilo que ele sabia que se tornaria um grande sucesso comercial. Truffaut morreu precocemente alguns anos depois. Uma pena.

Truffaut (45 anos) e Spielberg (21 anos) no set do filme.

Uma das novidades do roteiro de "Contatos Imediatos do Terceiro Grau" foi a abordagem da questão UFO de maneira bastante conspiratória, algo que se notabilizaria no enredo de muitos outros filmes e séries de TV dali adiante. Há uma relação bastante diferente entre a reação da sociedade civil ao avistar os óvnis (em êxtase e deslumbre) e o governo, que procura a todo custo uma forma de esconder da população os eventos de contatos com os extraterrestres.

Esta insistência dos roteiros de filmes de óvnis na abordagem conspiratória é um pouco confusa, porque na maioria das vezes os cineastas não explicam exatamente qual o motivo do governo-vilão negar ou desacreditar naquilo que as pessoas testemunharam. Este é um dos pontos mais contraditórios do filme de Spielberg, até porque o filme é otimista e mostra o contato entre terráqueos e alienígenas de maneira pacífica e até muito bonita.

Devils Tower, no Wyoming.

Já que entrei no assunto do contato entre os seres de diferentes planetas, a música é um elemento muito importante no filme. A trilha composta e escrita por John Williams é uma personagem à parte na história, não somente pela beleza das composições, mas porque as notas musicais são o instrumento de contato entre os humanos e os extraterrestres, especialmente cinco notas que funcionam como um "olá" na famosa cena em que a nave-mãe dos alienígenas desce em uma base montada pelo governo no Wyoming, às margens da "Devils Tower", um monumento natural dos EUA.

Falando nesta cena, é incrível a maneira como Spielberg faz a nave surgir do chão (o que poderia parecer um disparate do ponto de vista da verosimilhança), mas que funciona perfeitamente bem para nos impressionar com a grandeza e beleza do meio de transporte dos extraterrestres. Segundo conta o diretor, a concepção visual da nave foi inspirada nas estruturas metálicas de uma usina na Índia e as luzes foram inspiradas na Mulholland Drive, em Los Angeles.

O visual do extraterrestre em "E.T.", de 1982, é uma evolução do conceito de "Contatos".

O céu e as cores de "Stranger Things", série de 2016, lembram bastante a fotografia de "Contatos", de Spielberg.

Cena de "Contatos Imediatos do Terceiro Grau" - o céu foi criado através de experiências com fluidos fotografados


Os efeitos especiais e visuais do filme foram o seu grande legado para a história do cinema e são certamente o ponto forte do filme. Os artistas por trás dos efeitos foram os mesmos que trabalharam em obras célebres da sétima arte, como "2001", de Kubrick, "King Kong" ou mesmo "Star Wars". Para filmar a cena final, Spielberg precisou construir o maior estúdio coberto da história do cinema (à época), um feito que acredito não ter sido superado por nenhuma outra obra posterior, até porque o uso amplificado da computação gráfica acabou reduzindo a necessidade de criação de instalações reais tão completas e detalhadas.

O filme na verdade já trabalha com os primórdios da computação gráfica, ao mesclar com sucesso pinturas, maquetes e criar ambientes verdadeiramente mágicos através de truques de câmera que Spielberg sempre dominou muito bem. Apesar do roteiro fraco, com personagens e uma história pouco convincente (especialmente por causa de Roy), "Contatos Imediatos do Terceiro Grau" entrou para a história como um precursor de seu gênero. Spielberg refez o filme alguns anos depois, acrescentando algumas cenas e cortando outras, deixando uma versão do diretor como definitiva para quem deseja curtir o filme.

Visualmente falando, o seu filme influenciou muitos outros trabalhos, desde "E.T." (1982) até obras recentes, como a série "Stranger Things". Não crie muitas expectativas quanto à história, mas aprecie os efeitos visuais deste sucesso de 1977. 

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