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terça-feira, 3 de janeiro de 2023

Fuga para a Vitória

Motivado pelo atual momento de repercussão da morte de Pelé, assisti no catálogo da HBO Max ao filme "Fuga para a Vitória", estrelado por ninguém menos do que o Rei do Futebol. O filme é de 1981 e foi dirigido por uma lenda do cinemão norte-americano, John Huston. No elenco, além de Pelé, o filme conta com Michael Caine e Sylvester Stallone. Embora seja um filme-curiosidade e um lado B da filmografia de seu diretor, cujo fato mais relevante associado à obra seja a participação do maior jogador de todos os tempos no elenco, o filme guarda qualidades e uma trama até mesmo envolvente, que me surpreendeu em alguns aspectos.

"Fuga para a Vitória" conta a história fictícia de um jogo amistoso de futebol idealizado por um militar nazista, bem no meio da Segunda Guerra Mundial, entre a seleção nacional alemã e um apanhado de militares prisioneiros em um campo de concentração. O jogo tem o objetivo de ser uma espécie de propaganda para o regime nazista, buscando fortalecer a imagem da poderosa Alemanha de Hitler como uma potência não só militar e econômica, mas também esportiva. Como um dos prisioneiros do campo de concentração onde se passa a história é um ex-jogador da seleção britânica de futebol, vivido por Michael Caine, este homem é designado como treinador do time, composto apenas por soldados prisioneiros, todos eles interpretados por jogadores reais, alguns deles verdadeiras lendas do futebol mundial, exceto pelo personagem de Stallone, o goleiro da seleção.

Embora seja um filme de esporte, a preparação do time pouco importa para a trama, bem como o desejo dos jogadores de saírem vitoriosos da partida. A motivação principal do treinador vivido por Caine e o rebelde goleiro-Stallone é conduzir o time para uma espetacular fuga no dia da partida, a ser realizada em Paris. Por essa razão, o filme, ao contrário da maioria das obras que relacionam esporte e política, tem pouco apego aos discursos motivacionais e ao ímpeto pela vitória de seus heróis, salvo pelos momentos finais, quando a fuga deixa de ser mais importante do que o desejo de derrotar os nazistas. Boa parte da obra se concentra no suspense da preparação do plano de fuga, conduzido por Stallone.

Pelé certamente foi escalado no filme como uma cereja no bolo recheado de grandes jogadores que toparam fazer parte do elenco, uma jogada de marketing, mas também uma maneira eficaz de dar às cenas do jogo de futebol brilho e realismo. Naturalmente, como Pelé era o maior de todos eles, o ator-jogador ganha destaque na trama, possuindo mais falas que os colegas. Uma das cenas marcantes é a em que Pelé aparece pela primeira vez no filme, se apresentando como Luís, um prisioneiro de Trinidad que aprendeu a jogar bola com laranjas, uma história que nada tem de surreal quando conhecemos a trajetória não só de Pelé, mas de boa parte dos grandes jogadores de futebol nascidos no Brasil. O Rei não apenas atuou no filme, o que compreensivamente exerceu com certa dificuldade nas cenas em que possui textos mais longos, mas também coreografou as jogadas ensaiadas da partida clímax da obra.

"Fuga para a Vitória" faz parte da história do cinema e da vida de Pelé e é um bom filme esportivo, com um intenso final que me lembrou "Invictus", filme de Clint Eastwood de 2009, cuja associação entre história, política e esporte são os motores de ambas as obras. Faz parte do folclore do filme a história contada pelo próprio Pelé de que Stallone seria o herói no texto original e que marcaria um belo gol de bicicleta na cena final, um projeto que não saiu do papel quando descobriram que Stallone era péssimo jogador. Esta anedota acabou sendo inserida no próprio roteiro da obra quando vemos diversas referências ao pouco talento de Stallone no futebol. Outra história curiosa, também contada pelo Rei, foi a inesperada terapia recebida nos bastidores por Pelé por parte de seu diretor John Huston, que lhe deu conselhos amorosos quando o casamento do jogador brasileiro estava prestes a ruir naquele ano de 1981. 

Analisando a vida de Pelé, percebemos que o jogador tinha uma grande inclinação para a arte, compondo músicas, atuando em diversos filmes e produções televisivas, como se o futebol não fosse o suficiente para preencher dentro dele tudo o que lhe cabia neste mundo. No filme, quando Pelé salta para dar sua bicicleta na cena final, vemos a câmera de Huston oportunamente captar em câmera lenta um ator-jogador fazendo aquilo que mais sabia na vida, marcar belos gols. E, também no cinema, um gol de Pelé jamais poderia deixar de ser eternizado. Imagino como Huston se sentiu ao dirigir e filmar artisticamente um gol do maior jogador de todos os tempos. Por essa razão, assistir "Fuga para a Vitória" é uma forma de testemunhar a grandeza de um jogador, cuja importância se estendeu para todos os campos da cultura mundial. Mesmo com Huston, Michael Caine e Sylvester Stallone, ao final você sempre se lembrará da obra como "o filme do Pelé". 

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