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segunda-feira, 27 de abril de 2020

O Equilibrista


Este documentário de 2008, dirigido por James Marsh, mesmo diretor de "A Teoria de Tudo" (2014), é a fascinante história do equilibrista francês Philippe Petit, que em 1974 realizou um dos feitos mais inacreditáveis que um homem jamais alcançou: ele cruzou, sem equipamentos de segurança, as duas torres gêmeas do World Trade Center, através de um cabo de aço artesanalmente instalado na cobertura dos edifícios. E detalhe: de maneira clandestina.

É claro que um episódio tão inusitado e cativante como este acabaria uma hora ou outra sendo contado nas telas do cinema. A primeira vez que isto aconteceu foi com o filme de Marsh, que inclusive venceu o Oscar de melhor documentário em 2009, sendo que anos mais tarde foi lançado o filme "A Travessia", de 2015, contando a mesma história, só que desta vez dramatizada sob direção de Robert Zemeckis (diretor de "Forrest Gump" e "De Volta para o Futuro", dentre outros).

As torres do "World Trade Center" eram os edifícios mais altos do mundo em 1974.

Em "O Equilibrista", a história de Petit é contada pelos próprios personagens que a tornaram possível: Petit, sua namorada e os muitos amigos malucos do protagonista que toparam essa empreitada aparentemente impossível. O ano era 1974 e o jovem Petit, com 25 anos, decidiu concretizar um sonho antigo de sua infância: atravessar as torres gêmeas tendo somente o céu de Nova York sobre a sua cabeça.

Para realizar esta façanha, o equilibrista treinou durante muitos anos de sua vida (porque o desejo era antigo) e preparou com muito estudo e detalhes projetos e maquetes dos célebres prédios de Manhattan, ensaiando minuciosamente cada procedimento que seria necessário para tornar possível o seu intento. Petit tinha ao seu lado um grupo de colegas franceses bastante fiéis, especialmente a sua namorada Annie Alix e o amigo Jean-Louis. Os jovens meio hippies e desapegados treinavam em um campo que deve ser provavelmente o grande quintal da casa de um deles, na França da década de 70, ansiosos para o dia em que tomariam um avião rumo à Nova York.

Philippe Petit em uma de suas "visitas técnicas" ao WTC.

O dia finalmente chegou e Petit e sua equipe (que incluía norte-americanos também) conseguiram entrar dentro do World Trade Center, divididos em dois grupos, um na torre norte e o outro na torre sul do conjunto de edifícios. À época já existia uma segurança reforçada naquele que era um dos maiores símbolos do mercado financeiro e do progresso do capitalismo norte-americano na década de 70, se tornando duas décadas depois uma fixação por parte de grupos de terroristas que pretendiam derrubar as torres, o que efetivamente aconteceu no ano de 2001.

Sabendo disso hoje, é ainda mais incrível ver que um grupo de jovens sem nenhuma experiência prévia em invasões e grandes golpes tenha conseguido se infiltrar no WTC na noite do dia 6 de agosto de 1974, permanecendo escondidos durante boa parte da madrugada até que, após tapear os seguranças, tenham montado o aparato técnico necessário para a travessia de Petit.

Petit na cerimônia da entrega do Oscar, em 2009, ao lado do diretor James Marsh. O filme levou a estatueta de "Melhor Documentário" naquele ano.

O diretor James Marsh conta a história com muita sensibilidade, com uma trilha sonora delicada, alternando imagens reais feitas pela própria equipe de Petit no topo das torres gêmeas, bem como fotografias autênticas e uma dramatização do evento feita por atores com tipo físico e semblantes parecidos com os dos personagens reais da façanha. Há um momento particularmente bonito no filme, que é quando finalmente vemos Petit realizar a travessia no tremulante cabo de aço entre os prédios.

As fotografias e os vídeos reais da manhã do dia 7 de agosto de 1974 são apresentadas ao som da parte 1 da peça "Gymnopédies", do compositor Erik Satie, um momento lindo e emocionante coroado com um depoimento sincero e doce de Annie Alix e sobretudo Jean-Louis, amigo de Petit e um personagem a parte da história, pelo mistério que guarda em suas palavras ao fim do documentário. Creio que a cena da travessia, com sua beleza natural e inusitada, complementada pela atmosfera da música de Satie, seja um dos momentos mais bonitos entre todos os filmes que já assisti.

Petit sendo preso após a travessia. Naquele momento, ele já era celebridade mundial.

Além de ser um documentário sobre a realização de um feito aparentemente impossível para qualquer outra pessoa além de Petit (tanto é que o francês afirma descontraidamente que só decidiu cruzar as torres quando constatou que a ação era inalcançável), o filme nos mostra a determinação de um homem e sua equipe na realização de um feito que em si mesmo não possui nenhuma razão. Petit brinca que os nova-iorquinos, após a travessia, o questionavam o motivo de ter feito aquilo, e para ele esta pergunta representava com perfeição o espírito pragmático do povo americano, em contraste com a sua personalidade francesa sonhadora e lúdica.

O longa também mostra os limites do desejo pessoal e particular de um homem que não conseguiria alcançar aquele feito sem a ajuda de seus amigos, mas que se mostra uma figura um tanto quanto deslumbrada após a conquista de seu maior sonho aos 25 anos de idade, talvez provocando algum ressentimento entre os colegas. De qualquer forma, "O Equilibrista" nos mostra que nem todos os sonhos e ações humanas precisam de uma justificativa racional e que, muitas vezes, a constatação do impossível pode ser motor para grandes realizações.

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