Páginas

segunda-feira, 20 de abril de 2020

O Fantasma do Paraíso


Precisamos falar de "O Fantasma do Paraíso", um cult movie do cineasta Brian De Palma, de 1974. Este é certamente um daqueles filmes mágicos que só podemos lamentar por não ser tão conhecido do público como deveria ser. O longa é uma mistura de gêneros, uma farofa gótica, futurista, musical e cômica, com inspirações que vão de "Fausto", de Goethe, ao clássico romance francês "O Fantasma da Ópera", de Gaston Leroux. Brian De Palma conseguiu transformar em cinema uma ideia extremamente criativa, improvavelmente original e debochada, demonstrando que o seu talento como cineasta podia prestar um grande serviço à sétima arte quando exercido com autonomia e independência da obra de seus maiores inspiradores.

"Ele vendeu a sua alma para o rock'n'roll". Cartaz de "Fantasma do Paraíso", de 1974.


Em "O Fantasma do Paraíso" acompanhamos as desventuras de um jovem ingênuo, nerd e genial chamado Winslow (William Finley) que compôs uma cantata enorme no piano com a ambição de se tornar famoso com a sua obra. Acontece que o trabalho do rapaz é roubado pelo excêntrico empresário oportunista Swan (Paul Williams), que procura uma composição perfeita para inaugurar o seu novo espaço de apresentações musicais, chamado "Paraíso".

Revoltado com Swan, o músico injustiçado decide ir atrás do empresário, mas acaba preso após ter uma droga plantada na sua roupa. Insistente, ele escapa da prisão, mas sofre um terrível acidente tentando se vingar de seu inimigo. O acidente sofrido por Winslow desfigura metade do seu rosto e compromete a sua voz para sempre. Envergonhado com sua aparência, mas ainda persistente no desejo de vingança, o músico adquire um alter-ego, um fantasma com máscara de pássaro que passa a assombrar o "Paraíso", novo empreendimento de Swan.

O ator William Finley (1940-2012), protagonista de "Fantasma do Paraíso". Ele foi grande colaborador dos filmes de De Palma e estrelou também "Irmãs Diabólicas", de 1973. 

Como deve ser um romance gótico, há no filme uma personagem feminina importante que é, digamos, disputada pelo Fantasma e Swan. Trata-se da aspirante a cantora profissional Phoenix (interpretada por Jessica Harper, atriz fantástica que mais tarde estrelou "Suspiria", de Dario Argento). Phoenix entra na história da seguinte maneira: ela tem uma voz perfeita e o Fantasma decide que somente ela poderá cantar suas músicas.

Como o empresário Swan tem o dedo bastante podre para escolher os talentos artísticos que ele agencia, Phoenix não é a sua primeira opção, o que provoca a ira do Fantasma. Swan, como todo empresário musical rico e egoísta, assina um acordo com o compositor injustiçado e Phoenix: ambos vendem suas almas em troca do sucesso, sujeitando-se aos desejos extravagantes do músico, caricatamente interpretado por Paul Williams (ironicamente um compositor profissional de renome que não costumava fazer cinema até então).

O renomado compositor Paul Williams, que atuou como vilão do filme e escreveu as músicas de "Fantasma do Paraíso".
Jessica Harper, em cena do filme. A atriz tinha 24 anos e em 1977 seria a protagonista de "Suspiria", de Dario Argento, um dos maiores clássicos do cinema de horror.

Falando em Paul Williams, é de se destacar a magistral trilha sonora deste filme, que não é propriamente um musical no sentido de que a história é contada por músicas, mas sim porque há músicas tocadas durante todo o tempo no longa. As canções "Faust", que lembra um pouco as composições de Elton John, e "Special to Me", com uma pegada "Supertramp", são as minhas preferidas. O filme brinca a todo momento com a ideia da música como produto comercial, capaz de ser transformada em lixo por empresários apenas interessados em lucro.

Esta crítica ao rock'n'roll como show business está presente na maneira como Swan corrompe os músicos que trabalham pra ele e na sua predileção por artistas sem talento, mas que compensam a sua baixa qualidade musical com visuais excêntricos e apresentações festivas. Esta crítica quase chega a dar nome as bois quando percebemos que uma banda de rock agenciada por Swan passa por diferentes fases ao longo do filme: o "iêiêiê", os "beach boys" e um hard rock quase idêntico ao da banda "Kiss", contemporânea deste filme, mas que Brian De Palma jura não ter copiado.

Muito grito e pouco talento. O personagem rockstar Beef foi o prenúncio do que aconteceria com a música nos anos seguintes ao filme.
Até o Kiss não foi poupado da crítica de De Palma, embora o diretor negue a referência e diga que o visual da banda fictícia foi inspirado em "O Gabinete do Dr. Caligari", filme mudo alemão de 1920 (foto abaixo).
Cena de "O Gabinete do Dr. Caligari" (1920).

O filme deixou um grande legado ao cinema, por seu visual queer, pelas influências literárias e pelas interpretações marcantes do seu elenco principal. Eu particularmente me divirto muito com as cenas de Beef, um músico sem nenhum talento que Swan aposta como tendência e sucesso em sua nova casa de shows. Beef é o estereótipo do rockeiro que faz playback, grita e faz careta para o público, mas não sabe cantar e tocar. O Fantasma, ele sim um músico talentoso, não perdoa Beef e acaba enfiando um desentupidor em seu rosto em uma paródia da cena do chuveiro de "Psicose", uma oportunidade de imitar Hitchcock que Brian De Palma não poderia deixar passar.

Aliás, é preciso reconhecer que o trabalho de De Palma neste filme é magistral. O longa foi recebido mornamente quando lançado em 1974, teve boa bilheteria mas enfrentou uma série de processos por plágio, por causa das referências explícitas a outras obras. Mais tarde, acabou sendo reconhecido pela crítica como um cult movie, influenciando o surgimento de obras congêneres, principalmente o clássico "The Rocky Horror Picture Show", de 1975. Um bom filme para colocar em sua lista de cults para assistir!

Nenhum comentário:

Postar um comentário