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domingo, 21 de janeiro de 2018

Trama Macabra

Este é o canto do cisne de Alfred Hitchcock, a última produção de uma longa carreira marcada por cerca de 60 filmes notáveis. Lançado em 1976, "Trama Macabra" é a oportunidade que temos de testemunhar o que teria sido o cinema de Hitchcock caso ele tivesse vivido por mais tempo (o inglês faleceu quatro anos depois, aos 80 anos). Seu último filme não faz parte do "Lado A" de sua filmografia, mas é muito querido pelos fãs por ser um exemplar típico da comédia em estilo "humor negro", com uma fotografia bem colorida que dá ao filme ares de vanguarda. "Trama Macabra" é uma grande experimentação, que não pôde ser levada adiante.

O roteiro é assinado por Ernest Lehman, que já havia trabalhado com Hitchcock em "Intriga Internacional" (1959) e também em outros filmes importantes de outros diretores, como "Sabrina" (1954) e "Quem Tem Medo de Virginia Woolf?" (1966). A história é uma adaptação de um romance de 1972, que tenho quase certeza que foi lançado no Brasil com o nome "O Sequestrador", em uma versão pocket de histórias de detetives. "Trama Macabra" é a história de um casal picareta, um motorista de táxi e uma falsa médium, que são incumbidos por uma senhora rica de encontrar o seu herdeiro, desaparecido há muitos anos. Paralelamente à essa história, há uma outra dupla de picaretas, só que desta vez em um nível mais elevado, que sequestram pessoas importantes exigindo diamantes raros como moeda de troca.

Há uma passagem no filme em que o casal interpretado por Barbara Harris e Bruce Dern (que fez "Nebraska" e "Os Oito Odiados") está em seu carro e o motorista precisa frear bruscamente porque uma mulher está atravessando a rua. Esta personagem é uma das protagonistas da história, se dirigindo para efetuar o resgate de seu diamante em troca de um homem sequestrado. A câmera migra do casal no carro para a pedestre, que continua sua ação. Há nesta singela cena um efeito mágico de direção, em que o espectador precisa de muito pouco para saber que as duas ações estão acontecendo ao mesmo tempo. Este é o talento magistral de Alfred Hitchcock.

O roteiro é suficiente para que nós fiquemos presos à poltrona para saber o que vai acontecer quando os dois casais acabam, por uma coincidência do destino, se encontrando. E aí a história fica ainda mais interessante, porque nós somos os únicos que sabemos tudo o que está acontecendo. Há um mistério envolvendo um personagem morto que dura até a primeira hora de filme. A partir daí tudo em "Trama Macabra" é uma comédia de erros, mal entendidos que vão provocar o clímax da obra, que é uma angustiante luta pela vida em um Mustang desgovernado. Há muitas sugestões engraçadas feita pelo roteirista, com a pitada provocativa das câmeras de Hitchcock, como a cena em que um padre se encontra com uma jovem moça de vestido vermelho, ou ainda quando o personagem de Bruce Dern acaricia sua companheira e elogia o seu "traseiro". Em um momento em que a censura moral estava cada vez mais enfraquecida nos Estados Unidos, Hithcock colocava suas asinhas de fora e mostrava um pouco da perversão sexual que marcou sua carreira de forma retraída em outros filmes, principalmente "Psicose", de 1960. 

A trilha sonora de "Trama Macabra" foi feita por John Williams, lendário compositor que colaborou muito com Spielberg e assinou as trilhas de clássicos como "ET", "Indiana Jones", "Jurassic Park", "Star Wars", de George Lucas, e até mesmo os três primeiros filmes da franquia "Harry Potter". John Williams é certamente o compositor mais importante da história do cinema. Neste filme, a criação dele é muito singela, mas ainda assim fundamental para manter um clima de suspense nos momentos mais misteriosos da trama, cheias de locações tão atraentes como um cemitério pouco movimentado. Existem vários elementos que tornam "Trama Macabra" um filme importante. Mas a peculiaridade de ter sido o último trabalho do mais cultuado diretor do cinema inglês é o que dá à história um gosto ainda mais especial, porque à medida que o filme avança para a sua conclusão, sabemos que termina também o legado de Hitchcock. A sua filmografia, no entanto, é extensa e as muitas possibilidades de interpretação de seu trabalho são o que transformam o diretor em um imortal. Bom filme!

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