Páginas

quarta-feira, 21 de junho de 2017

O Abutre



Filmado em 2014, o nome original deste belo filme é na realidade "Nightcrawler", uma gíria para pessoas muito ativas no turno da noite, o que no Brasil chamamos de gente "da noitada". A tradução do título foi infeliz por duas razões: primeiro porque dá a sensação de ser um filme de terror, segundo porque faz um juízo de valor sobre o protagonista, já que há uma conotação muito pejorativa na palavra "abutre". Feita essa ressalva, convém dizer que o filme é um thriller, ou um suspense policial, daqueles que se fazia muito bem no fim da década de 60 e início de 70, como o sensacional "Bullit" (1968), estrelado por Steve McQueen. É um filme em que boa parte da história se desenvolve à noite, e eu particularmente gosto muito disso. Me lembrou bastante "A Conversação" (1974), de Coppola, e também o mais recente "Drive" (2011), estrelado por Ryan Gosling - não só pela temática, que é investigativa, mas também pelo ambiente notívago.

O filme narra a história de um sujeito ambicioso, muito determinado para entrar de vez no mundo do tele-jornalismo, provendo filmagens de acidentes, tiroteios e outras ocorrências policiais para os programas sensacionalistas norte-americanos, semelhantes aos do mesmo gênero no Brasil, tais como "Cidade Alerta", "Balanço Geral", dentre outros. Aos poucos, o protagonista (Louis), muito bem interpretado por Jake Gyllenhaal - em uma das melhores atuações de sua carreira - ganha gosto pelo trabalho e descobre que filmar é a sua verdadeira vocação. Acontece que Louis é aparentemente desprovido de qualquer barreira ética e moral para exercer sua atividade profissional e, estimulado por uma imprensa gananciosa - que leva ao ar qualquer imagem que ele fizer, desde que sangrenta - o câmera-man passa a atropelar a lei e as pessoas ao seu redor para conseguir suas melhores tomadas, mesmo que seja necessário fabricar situações que renderão as imagens mais sensacionalistas possíveis. As imagens são então exibidas ao vivo na TV aberta, rendendo audiência para o canal que compra os seus tapes, ao mesmo tempo que sustenta o protagonista.

A história é ambientada em Los Angeles, e aparentemente se passa nos dias atuais. É interessante pensar que o mercado de imagens de crimes realmente deve existir em grandes cidades, gerando inclusive concorrência entre os que filmam e tiram fotos de crimes com exclusividade. "Imprensa marrom" é um termo muito utilizado no Brasil como referência aos meios de comunicação sensacionalistas, que não se preocupam com a veracidade dos fatos, mas apenas com o impacto da notícia em primeira mão e da possível audiência gerada pelas "pós verdades" publicadas irresponsavelmente por emissoras que se dizem profissionais. Em nosso país, são personagens reais desse verdadeiro thriller apresentadores detestáveis como Datena e Sônia Abrão, que protagonizaram momentos que pareceriam brincadeira de criança perto do desfecho de "O Abutre", que por si só é muito chocante. Casos brasileiros como o sequestro de Eloá ou do ônibus 174, além das já repetidas vezes em que fotos de pessoas mortas invadiram as redes sociais, demonstram que o "O Abutre" está falando de um assunto mais sério do que parece. Além de um excelente filme de suspense, esta inteligente obra de 2014 é também um grande testemunho do poder da televisão nos tempos modernos, juntando-se a outros importantes filmes do gênero, tais como "Cidadão Kane" (1941), "Rede de Intrigas" (1976), "Réquiem para um Sonho" (2000) e "Boa Noite e Boa Sorte" (2005). É com certeza um filme 5 estrelas. Curiosamente, é também o último trabalho relevante do ator Bill Paxton, um dos protagonistas de "Titanic" (1997), que lamentavelmente faleceu no início desse ano.

Nenhum comentário:

Postar um comentário