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quarta-feira, 14 de junho de 2017

Perdidos em Paris



Muita gente na fila, ingressos esgotados, imprensa filmando e tirando fotos. Todos esses acontecimentos atípicos poderiam sugerir uma grande estréia ou a presença de um artista visitando a cidade. Infelizmente não era nada disso, mas sim a última sessão do Palace, o último cinema de rua de Juiz de Fora. O filme escolhido para o ocaso deste cinema tão bem localizado e que durante tanto tempo exibiu filmes relativamente alternativos em JF foi "Perdidos em Paris", integrante do festival de cinema francês patrocinado pela Varilux. Não sei se foi proposital, mas uma comédia caiu bem para afastar o ar de melancolia entre os espectadores. E o melhor, uma boa comédia, que bebe da água das grandes obras do cinema mudo, com seu roteiro fantástico e suas gags improváveis, lembrando os momentos mais criativos do cinema de Charlie Chaplin e Buster Keaton. 

Trata-se da história de uma canadense que recebe uma carta de sua tia moradora de Paris, pedindo sua presença na cidade luz. Quando Fiona chega na França, passa por uma série de dificuldades até perceber que sua tia sumiu. A protagonista recebe então a pouco bem-vinda ajuda de um morador de rua, que vive em uma cabana junto com seu cachorro, em um deck à beira do Sena. Há um mote principal no roteiro, que diz respeito ao fato de Martha, a tia, estar tentando escapar da possibilidade de viver em um asilo. E isso traz a tona a questão da vida, da morte e da liberdade, temas que vão dar liga à todas as principais cenas do filme, todas ela muito engraçadas. Um desses momentos, que arrancou muitas risadas da platéia, é um velório em que o personagem Dom, o morador de rua, decide fazer um breve panegírico à pessoa que faleceu. O problema é que ele não a conhece, mas mesmo assim decide elogiá-la, perdendo o rumo e acabando por difamá-la - uma interessante ironia aos discursos vazios proferidos em momentos fúnebres. 

Todos os personagens centrais são pessoas marginalizadas, ocupando espaço públicos por estarem privados de algo essencial. Fiona procura sua tia, Martha quer sua liberdade e Dom, coitado, não possui nada além do seu cão, sua barraca e as coisas que encontra no lixo. Ele quer também a amizade da protagonista, embora eles não consigam se comunicar adequadamente, já que Fiona não fala francês. Essa falha de comunicação, inclusive, é um dos elementos que faz com o que o filme, em diversos momentos, pareça uma comédia muda, em que somente as imagens bastam para a compreensão da história. Foram muitas risadas, misturadas à angústia do acender das luzes. O final, pouco emotivo, ganhou maior dramaticidade por todos na sala saberem que era a última vez que um filme rodava nas empoeiradas telas do Palace. Vou sentir saudades, como sinto saudades de um monte de coisas que se foram, por conta de uma série de fatores tão difíceis de explicar: o inevitável advento da tecnologia, a ganância de quem detém o poder financeiro e a inércia do poder público em proteger o seu patrimônio. O cinema de rua perdeu uma batalha hoje em Juiz de Fora. Mas algo me diz que a guerra ainda venceremos!

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