Páginas

domingo, 17 de fevereiro de 2019

Pantera Negra

"Pantera Negra" é o primeiro filme de super-heróis indicado ao Oscar na categoria principal da premiação. Confesso que se não fosse pela indicação eu não teria assistido e comentado o filme aqui no blog, porque normalmente não assisto este gênero, com algumas poucas exceções. Tivesse sido indicado ou não, a obra baseada nos quadrinhos de Stan Lee já é interessante por contar a história de um país fictício localizado no continente africano, com boa parte dos personagens negros - inclusive o protagonista que dá nome ao filme. A Marvel Studios deve ter enxergado um potencial muito grande no personagem original de 1966, que se tornou muito representativo no atual momento político em que o mundo vive, com um fortalecimento do movimento negro, principalmente nas redes sociais. É preciso, no entanto, termos certo cuidado com o entusiasmo quase unânime que o filme foi recebido, seja por radicais, esquerdistas mais moderados e até a nova direita, como bem destacou o filósofo Slavoj Žižek, em um texto que você pode ler aqui.

A história de "Pantera Negra" é bem engenhosa, começando com um pequenino prólogo que nos explica o básico que precisamos saber sobre o herói e sua terra "Wakanda", o país fictício em que vive. A história então vai parar na costa oeste dos Estados Unidos, mais precisamente a cidade de Oakland (reduto importante do verdadeiro Partido dos Pantera Negras, completamente ignorado pelo filme e os quadrinhos), onde um acontecimento a princípio banal terá grandes consequências para o caráter trágico do filme, que em suas trocas de poderes e traições lembra a dramaticidade das peças de Shakespeare. Por ser um país rico em um mineral extraterrestre e poderoso, "Wakanda" tem uma tecnologia mais avançada que qualquer outra nação no planeta, optando por permanecer na obscuridade em seu continente, invisível aos estrangeiros. Acontece que um ladrão internacional (Klaw) rouba uma quantidade significativa do mineral - vibranium - obrigando o Pantera Negra a ir capturá-lo na Coréia do Sul. Mas Klaw é apenas uma distração do roteiro, porque o verdadeiro vilão é um homem de Wakanda, Erik Killmonger, que quer usurpar o trono do Pantera. Este é um personagem negro e fora do comum nos filmes de super-heróis, principalmente pelo seu comportamento ético em sua derradeira cena, que me fez duvidar se é de fato um vilão ou deveria ser o herói do filme.

O elenco de "Pantera Negra" tem alguns dos maiores atores e atrizes negros do cinema contemporâneo, como Michael B. Jordan, a vencedora do Oscar Lupita Nyong'o, Daniel Kaluuya (astro de "Corra!") e o lendário Forest Whitaker, também vencedor do Oscar de melhor ator. Entre os atores brancos o grande destaque é Andy Serkis, veterano do cinema de fantasia e ficção. Há em "Pantera Negra" uma grande preocupação em representar o povo africano a partir de elementos reais de sua cultura, trajes e comportamento. O exército feminino de Wakanda, por exemplo, é inspirado no povo Maasai, do Quênia. Dá para notar um trabalho fantástico de pesquisa pela direção de arte do filme, que retratou o continente africano mantendo o aspecto colorido, selvagem e por vezes caricato dos quadrinhos. A trilha sonora também privilegiou o trabalho de músicos negros, como o rapper Kendrick Lamar, que produziu e compôs muitas das músicas da trilha sonora original.

Existem alguns elementos em "Pantera Negra" que nos fazem refletir sobre a história da África, a colonização do continente e a questão dos refugiados. O metal vibranium encontrado em Wakanda faz com que o país ironicamente aja com seus vizinhos da forma como a Europa e o mundo dito desenvolvido sempre fez com o continente africano: tomar uma postura defensiva e optar pela não-intervenção no quesito ajuda humanitária. Esta é, inclusive, uma das razões para o conflito entre os dois "Pantera Negras" que irão se opor na batalha final do filme. Existe também uma inversão de poder entre "Wakanda" e o resto do mundo, uma vez que o bom manuseio do vibranium e da tecnologia que o metal tornou capaz de existir faz do país uma nação mais poderosa do que qualquer outra no planeta, a despeito do deboche e descrença da ONU na cena pós-crédito. "Pantera Negra" não é mais do que um filme de super-herói, mas a sua indicação ao Oscar de melhor filme é uma forma de prestígio à representatividade do negro nos filmes do gênero, até então praticamente inexistente. A indicação também é uma forma simbólica de honrar o trabalho de Stan Lee, morto no final do ano passado. É o filme de herói que eu gostaria que meus filhos assistissem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário