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domingo, 8 de dezembro de 2019

A Vida Invisível


"A Vida Invisível", do diretor Karim Aïnouz, foi o filme indicado pela Academia Brasileira de Cinema para representar o país no Oscar na categoria "melhor filme estrangeiro". O longa venceu o prêmio principal da Mostra "Um Certo Olhar' no Festival de Cannes de 2019 e portanto tem sido (junto a "Bacurau") um dos filmes brasileiros mais comentados do ano. O roteiro, escrito a quatro mãos, foi baseado no romance "A Vida Invisível de Eurídice Gusmão", bestseller de Martha Batalha. Karim Aïnouz, o diretor, é um cineasta cearense responsável por outros longas de sucesso como "Madame Satã" (2002) e "Praia do Futuro" (2014).

Os primeiros minutos de "A Vida Invisível" são muito promissores, com uma sequência bonita e onírica filmada em uma trilha no pé do morro do Corcovado. Somos apresentados a duas irmãs filhas de portugueses, moradoras de um Rio de Janeiro arborizado e frondoso, em uma região que poderia ser o Cosme Velho dos livros de Machado de Assis, mas só que situado na década de 1950. As irmãs são Guida e Eurídice, esta última exímia pianista.

As irmãs cariocas Guida e Eurídice, interpretadas por Julia Stockler e Carol Duarte, respectivamente.

As duas irmãs tem personalidades distintas, sendo Guida uma jovem impulsiva que decide fugir de casa pra viajar pra Grécia com um marinheiro por quem está apaixonada. Eurídice, mais retraída e obediente, cresce arrependida por não ter impedido sua irmã de sair de casa para não voltar nunca mais. Isto porque quando Guida retorna grávida e sem o marido é proibida por seu próprio pai de entrar em casa, com a conivência da mãe. A esta altura Eurídice já está casada e nem imagina que sua irmã retornou da Grécia e vive no Rio de Janeiro a sua procura. 

Mesmo com roteiro muito pouco verossímil, durante todos os minutos do longa acompanhamos a trajetória de erros das duas irmãs que o destino não permite que se encontrem, ainda que habitem uma região relativamente próxima no Rio (Guida vive em São Cristóvão). O termo "invisível" do título faz referência não somente a esta evidente invisibilidade de uma irmã para com a outra, mas também aborda a questão da invisibilidade da mulher, principalmente Eurídice, cuja maternidade e vida doméstica que lhe foi imposta pelo marido paspalhão e machista (lamentavelmente interpretado por Gregório Duvivier) a impediram de viver o seu maior sonho, que era estudar piano em uma escola da Áustria.

A direção de Karim Aïnouz reforça a ideia da separação e do desencontro entre as duas irmãs.

 Carol Duarte e Julia Stockler fortalecem o filme com as suas interpretações.

O filme trabalha de maneira muito humana e por vezes incômoda as trajetórias de Guida e Eurídice (em certa medida semelhantes), mas também de outras mulheres, como a mãe das protagonistas (a sombra do esposo) e Filomena (uma babá que toma o lugar de mãe de Guida). 

Mas no geral, há pouco mais em "A Vida Invisível" do que um melodrama que muito me fez lembrar as narrativas dos primeiros romances de Machado de Assis, todas elas situadas nos subúrbios do Rio de Janeiro, longe das praias e da vida agitada da cidade. A gravidez indesejada, o filho renegado, os destinos desencontrados, tudo isso remete tanto aos livros do Bruxo quanto às clássicas novelas cariocas. Só que os livros do Machado ganham em profundidade filosófica, ao passo que o roteiro de Karim é mais rasteiro.

Fernanda Montenegro faz uma participação breve no filme.


As belas cores da fotografia do filme realçam a interpretação de Fernanda Montenegro.

A estética de Karim Aïnouz, embora muito interessante em alguns trechos, não compensa a monotonia do roteiro do filme, que se repete muito da metade pra frente e se enrola ainda mais quando o tempo começa a passar e nada acontece. Somos obrigados a assistir uma versão condensada em mais de duas horas de uma novela inteira da Globo, porque o cinema mesmo se perde nos primeiros minutos do longa, que prometia tanto na cena do casamento de Eurídice, quando a personagem dança em um transe que me assustou na poltrona.

Aliás, vale dizer que as interpretações femininas são um ponto alto do filme (e nem precisava contratar Fernanda Montenegro para tão pouco, mesmo que tenha sido interessante pra mim vê-la pela primeira vez em uma tela de cinema). O trabalho mais notável é sem dúvidas da atriz Julia Stockler, que interpreta Guida, uma personagem forte e real. Gregório Duvivier consegue transformar todas as suas cenas em esquetes do "Porta dos Fundos", com uma interpretação viciada e fraca, que diminui e muito a qualidade do trabalho de Carol Duarte, tão boa atriz, com quem contracena o tempo todo.

"A Vida Invisível" não tinha nenhuma chance de ser indicado ao Oscar. Apesar de possuir sim os seus méritos em termos de concepção e qualidade técnica, o filme (assim como o livro, acredito) não traz nenhuma novidade em sua narrativa, contando uma história muito genérica. O seu maior mérito foi trabalhar a invisibilidade da mulher, o que politicamente o valoriza, mas ainda assim não o faz um filme mais do que regular.

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