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quinta-feira, 27 de julho de 2017

Match Point



Em "Match Point", de 2005, Woody Allen revisita um de seus melhores filmes da década de 80, "Crimes e Pecados", de 1989, que por sinal eu comentei aqui no blog. Contando a história de um homem que trai a esposa e decide matar a amante, o diretor também faz referências ao romance russo "Crime e Castigo", de Dostoiévski, inspiração literária para ambos os filmes. O tênis (esporte) é muito importante na construção da trama, desde o título, mas também porque o filme é basicamente uma divagação do diretor sobre a interferência da sorte em nossas vidas, usando a metáfora da bolinha que bate vacilante na rede, episódio comum em partidas de tênis. Como todo filme de Allen é gravado em uma metrópole, a escolhida da vez foi Londres, cidade estreante em sua filmografia. A história se passa no distrito de Kensington, e dá pra ver alguns locais familiares do borough de Chelsea como cenário de fundo. É um filme, portanto, bonito de se ver, pela fotografia e pela beleza única de Scarlett Johansson, uma das protagonistas da história. 

Diferente do que fez no filme da década de 80, em "Match Point" Woody Allen concentra o roteiro na trama principal, entre o protagonista Chris, sua esposa, os sogros e o cunhado. Chris começa a trair sua esposa com Nola (Johansson), em uma relação superficial, rápida e puramente pautada no sexo. A escolha da atriz que interpreta a esposa de Chris foi muito acertada, porque ela é tão elegante, delicada, bonita, mas é ofuscada pela presença de Nola. Em "Crimes e Pecados" acompanhamos o drama do protagonista quando ele já está farto da relação adúltera. Em "Match Point" vemos o amor surgir e morrer, o que dá mais completude à obra. É como se Woody Allen fizesse um resumo maior que o texto original, mais de quinze anos depois. A alta sociedade inglesa é retratada na família que Chris passa a ingressar, já que o sogro é um poderoso empresário e tem uma bela casa de campo, dando inclusive um emprego ao genro. Não são pessoas superficiais, pelo contrário, gostam de cultura, esporte e artes. Apesar da erudição, ninguém na obra consegue desenvolver um papo cabeça suficiente para fortalecer o roteiro de Allen, que normalmente é tão filosófico.

A apatia de Chris e sua pouca predisposição a qualquer diálogo além do comum nos passam a impressão de que é somente um viciado em sexo com sua amante, tanto é que não consegue criar coragem suficiente pra resolver sua vida quando é chamado a tomar responsabilidades. E ninguém ao seu lado parece perceber que ele tem uma vida dupla, quando fica claro para nós espectadores o quanto ele está deixando de dar atenção a sua família, inclusive atendendo ligações de Nola o tempo todo. A culpa sentida por Chris não é tão convincente quanto na obra literária que o filme tem a pretensão de se inspirar, quanto menos no filme de Allen de 1989. Há duas razões para isso: primeiro porque a motivação do crime não é suficientemente sentida pelo espectador e, segundo, porque as atitudes de Chris deixam dúvidas sobre o fato dele sentir culpa ou não. A única certeza que temos é o quanto o relacionamento dele com sua esposa está desgastado, ao passo que o protagonista não parece querer mudar o seu status. Não há indícios de que há satisfação com seu emprego, que certamente perderia caso deixasse a esposa, mas apenas um apego à boa vida que leva, como ele mesmo confessa a um amigo.

Quando Chris, próximo ao fim do filme, é confrontado por policiais a respeito do crime que cometeu, ele se abre com as autoridades, não a respeito do assassinato, mas sobre sua vida amorosa. Há uma certa ironia na cena, porque ele conta aos detetives tudo o que deveria ter dito para sua esposa, e que resolveria os seus problemas. Mas ele não abre o jogo e a bolinha de tênis, que vai pra lá e pra cá, acaba batendo na rede e decidindo de vez o seu futuro. Aí o nome "Match Point" vem à tona, porque é a jogada final, que decide uma partida. Não é coincidência que Chris tenha guardado a arma que usou no crime dentro da capa de sua raquete de tênis, uma brincadeira legal do diretor. É um filme divertido, que nos prende, mas não tem a carga emocional nem a inteligência e a filosofia dos diálogos típicos de Woody Allen. É uma versão contraditoriamente menos resumida e mais superficial de "Crimes e Pecados", um dos melhores filmes de sua carreira.

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