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segunda-feira, 27 de maio de 2019

Psicose

Não sei se é correto dizer isso, mas "Psicose", de 1960, deve ser o filme mais popular do diretor Alfred Hitchcock. A história perturbadora de uma jovem que rouba 40 mil dólares e decide passar uma noite em um hotel de beira de estrada já seria por si só medonha se o estabelecimento não fosse gerenciado por Norman Bates, um personagem que se tornou ícone da cultura pop e cuja notoriedade superou a própria obra de Hitchcock. Não concordo que "Psicose" seja o melhor filme de terror já feito, mas reconheço que seja o filme mais importante do gênero e de maior influência estética para os seus sucessores, além de um gancho importante para um tema muito requentado nas obras de terror e suspense ainda nos dias atuais.

É preciso falar sobre "Psicose" sem escrever muito sobre o roteiro, para não arruinar a experiência de quem decide ver o filme sem saber nada sobre a história. Por isto, dedico este texto a abordar algumas características mais marcantes da obra, como por exemplo a câmera de Hitchcock, que logo na primeira tomada do filme já se revela inovadora e ambiciosa, ao adentrar em um pseudo plano sequência o apartamento da protagonista, Marion Crane, que se encontra em um quarto de hotel com o seu namorado e pretenso noivo em pleno dia de semana. É curioso que o filme já no início nos mostre que Marion e seu namorado estavam tendo um encontro íntimo, que precisou ser interrompido porque ela e ele precisavam voltar ao trabalho. Esta cena é interessante porque nos revela o verdadeiro impulso da personagem para roubar o dinheiro de seu chefe daí a algumas horas: ela quer se casar, mas o namorado alega que os dois possuem poucos recursos para tanto.

De volta ao trabalho em uma imobiliária, Marion acaba sendo involuntariamente estimulada por um cliente esnobe a roubar de seu chefe a quantia de 40 mil dólares, escapando sem um plano bem elaborado estrada a fora, provavelmente esperando mais tarde encontrar seu namorado. Acontece que ela sente sono e decide pernoitar no "Bates Motel", uma pequena hospedaria de beira de estrada cujo dono é Norman Bates, um sujeito estranho e solitário que mora em um casarão sombrio nos fundos do local. Como Marion é a única hóspede no hotel, ela acaba conversando bastante com Norman sobre assuntos que revelam bastante a personalidade do rapaz. Ele demonstra ser um homem solitário, que vive sozinho com a mãe há muitos anos e apresenta uma discreta misoginia. Bates chega inclusive a convidar Marion para jantar com ele em sua casa, mas é reprimido por sua mãe, que aparentemente não aprova que o filho tenha encontros com nenhuma mulher. Há obviamente no roteiro claras alusões ao comportamento psicológico de Bates a partir da ótica psicanalítica de Freud, atribuindo à autoridade materna influência sobre a sua sexualidade, caráter e personalidade.

O filme tem uma trilha sonora brilhantemente escrita e conduzida pelo lendário Bernard Herrmann, entre elas o tema principal do filme tocado em notas estridentes de violino, que se tornou a marca registrada de cenas de crime reproduzidas no cinema e TV. A fotografia em preto e branco foi uma opção do diretor, tanto para reduzir custos de produção quanto para evitar que a cena principal no chuveiro não ficasse com um aspecto de "filme gore", o que seria um desprestígio para o vaidoso e elegante Hitchcock. Falando na cena do chuveiro, esta célebre sequência foi filmada em mais de 77 ângulos de câmera, resultando em uma sequência de pouco mais de três minutos com cinquenta cortes, todos eles curtos e secos. O sangue na cena do chuveiro era na realidade chocolate, para causar uma impressão mais forte na fotografia em preto e branco, gerando contraste na banheira branca. A atuação de Janet Leigh no filme lhe rendeu uma indicação ao Óscar em 1961.

"Psicose" não foi uma unanimidade quando lançado, tendo causado grande controvérsia por conta da violência retratada no filme. Para ser sincero, o filme de fato ultrapassa um pouco a estética de Hitchcock como diretor, apelando para uma violência mais explícita e talvez um pouco gratuita. O assassinato retratado no filme é mais importante que qualquer outro evento da história, principalmente os 40 mil dólares roubados, um mero MacGuffin do roteiro. Quanto ao desenrolar da trama, as explicações psicológicas são a meu ver insistentemente abordadas, como se o roteirista subestimasse o seu público a todo momento, principalmente na desnecessária cena final, uma aula bastante didática sobre os motivos do crime. Hitchcock iria seguir por caminhos mais violentos anos mais tarde, como em "Frenesi" (1972), por exemplo, onde há inclusive a abordagem explícita de um crime sexual. Apesar das controvérsias, "Psicose" é uma referência importante do cinema de terror, com um roteiro eloquente e muito poderoso na criação da atmosfera sombria e aterrorizante que o gênero sempre tenta alcançar, mesmo que nem sempre com sucesso.

2 comentários:

  1. Eu muuuuuuito captei esse filme!!! Sinceramente, você ta criando um monstro hahahaha Eu saquei o macguffin, eu saquei o preto e branco, eu saquei o assassino... Agora devo confessar que aquela trilha dos assassinatos me deixa em pânico rsrs

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  2. Post muito bom e o filme tambem é top. Obrigado :)

    https://nanopsicologia.com.br/psicose-sintomas-causas-e-fatores-de-risco/

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