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quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Pela Janela


Filmado em 2017, escrito e dirigido pela cineasta Caroline Leone, este é um road movie de caráter existencial, rodado em um ritmo muito lento nas estradas do sul do país e na capital argentina. A protagonista é Rosália, uma operária do ramo da eletrônica que, de uma hora para a outra, é despedida de seu emprego em uma fábrica da periferia de São Paulo. Acompanhamos a sua rotina na fábrica, a chegada em casa e a dupla jornada ente o trabalho e o lar, onde vive com seu irmão José. Esta imersão no dia a dia de Rosália é feita em uma perspectiva bem naturalista, quase como se estivéssemos testemunhando em tempo real a sua rotina, compartilhando com a protagonista o enfado que ela experimenta ao fim de um dia cansativo.

O destino de Rosália muda após a sua inesperada demissão, o que acentua ainda mais a sua personalidade tímida e reservada. Diante da completa desolação pelo episódio, a protagonista chega a se sentar no quintal de casa sem ação, até que seu irmão a encontra e, na tentativa de distraí-la, a convida para ir com ele até Buenos Aires de carro a serviço. Rosália vai com o irmão pela ausência de perspectivas em São Paulo após a demissão e, no caminho, se surpreende aos poucos com as paisagens e com a dimensão do país em que vive, o que até então era tão distante para ela. Por ter passado a vida inteira encerrada em uma fábrica, a protagonista tem naquela viagem a oportunidade de observar a natureza, os novos idiomas, se encantando até mesmo com uma simples panela de pressão comprada na fronteira do Paraná. 

Como é costume nos road movies, a experiência da estrada é edificante para seus protagonistas, uma oportunidade de desconstrução de pensamentos consolidados ou de descobertas transcendentais sobre a vida ou a morte. Embora as novas experiências na Argentina e as possíveis reflexões sobre elas estejam de algum modo incrustadas no roteiro de "Pela Janela", o que mais chama atenção na história é a cumplicidade entre José e Rosália, pessoas humildes conhecendo e convivendo com amigos também muito simples, boa parte deles idosos. A Buenos Aires que vemos no filme não é aquela da Praça de Maio ou Porto Madero. O clima da obra é melancólico, principalmente na cena em que os irmãos cantam uma música bonita no violão. É a despretensiosidade da viagem e dos protagonistas que faz de suas histórias uma experiência tocante, que nos sensibiliza. Para além disso, há também a lembrança final de que no retorno da viagem Rosália chegará a São Paulo desempregada, mas com a  doce lembrança de sua viagem que, assim como na poesia de Drummond, virará "um quadro na parede".

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