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quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Corpo Fechado

Eu confesso que não costumo comentar alguns filmes que eu rotularia como "razoáveis", mas achei necessário falar um pouco sobre "Corpo Fechado" agora que o filme está no catálogo da Netflix e que estreou no cinema "Vidro" - a sua última parte - já que o filme acabou se tornando uma trilogia um pouco acidental. A trilogia é obra de M. Night Shyamalan, cineasta indiano que viveu a vida toda nos EUA, onde iniciou a carreira como diretor, produtor e escritor, muito inspirado pelos trabalhos de Steven Spielberg. Acho que todo mundo conheceu o diretor através de "O Sexto Sentido", de 1999, o seu filme de maior sucesso até hoje. Lembro que este era um filme proibido de verdade para crianças que assim como eu morriam de medo de espíritos. Assisti já adolescente e na minha memória afetiva foi uma experiência fantástica. Confesso que preciso rever pra dizer se é isso tudo o que eu achava há alguns anos.

Cheguei a escrever e publicar um texto aqui no blog falando sobre todos os filmes de Shyamalan, mas acabei apagando depois, porque parei de escrever artigos que não fossem sobre uma obra específica. O único filme do diretor que comentei em detalhes no blog foi "A Visita", de 2015, que assisti no cinema e gostei, apesar do texto que escrevi ter soado negativo. "Corpo Fechado" é um filme do ano 2000 e, portanto, lançado depois de "O Sexto Sentido". Isto me surpreendeu, porque a direção é mais imatura e inconsistente, assim como o roteiro e as atuações. A proposta do roteiro do filme é tão ousada e improvável que não deixa de ser contraditória a sua roupagem realista ou naturalista, que procura dar ao filme o status de uma história de super-herói plausível. A escalação de Bruce Willis para o papel principal foi absolutamente providencial, porque ele é afinal de contas um dos poucos elementos que fortalecem um pouco o desenrolar da história. Samuel L. Jackson como um personagem caricato está bem regular, embora ele seja uma das identidades visuais do filme.

Shyamalan brinca com a ideia da história em quadrinhos para sugerir o super poder do protagonista David Dunn em "Corpo Fechado". É verdade que quase todos os super-heróis famosos nasceram em histórias em quadrinhos e por isso não deixa de ser uma sacada interessante do diretor fazer com que a descoberta dos poderes de David seja feita por Elijah Price, um personagem colecionador de gibis. Demora um pouco até que ele convença o herói improvável sobre a sua indefectibilidade e mais ainda da necessidade de que David saia pelas ruas para combater o crime, mas quando isso acontece ambos encontram um sentido para as suas vidas. Outro detalhe interessante no filme é que os dois protagonistas são antagônicos no que diz respeito às suas capacidades: enquanto David é indestrutível, Elijah tem um corpo tão frágil quanto o vidro. É a consciência de Elijah sobre o seu estado de saúde que o faz acreditar que haveria alguém com uma condição oposta à sua e que o tornaria um ser superior.

Com um roteiro um pouco pueril e uma certa ânsia por concluir a história que ironicamente acabou se tornando uma trilogia, Shyamalan nos brinda com um plot twist - como é comum nos filmes do diretor - e não dá muita margem para possíveis continuações, o que mesmo assim foi feito dezesseis anos depois em "Fragmentado" (2016), filme que assisti no cinema sem ter ideia que era o desenrolar de "Corpo Fechado". Na verdade ninguém que foi ao cinema sabia disso, foi uma surpresa para os fãs. Neste ano o diretor concluiu a história com "Vidro", que já está nas telonas. Há uma grande reverência pelo trabalho de Shyamalan entre os cinéfilos e o diretor de fato possui uma capacidade diferenciada em provocar nos espectadores uma certa angústia que os suspenses (o seu gênero por excelência) proporcionam. Além disso, ele representa uma classe rara de cineastas que produz, escreve, dirige e eventualmente até atua em seus próprios filmes, como Tarantino, Scorsese e Clint Eastwood. Só que Shyamalan ainda precisa de muita coisa pra chegar no nível de seus inspiradores. Ainda assim, continuo vendo e me divertindo com quase tudo que ele produz.

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