Esta é a animação mais falada do início de 2019, vencedora do Globo de Ouro e grande favorita para o Oscar em sua categoria. É certamente uma experiência cinematográfica muito diferente, produto de mentes criativas do cinema de animação norte-americano que precisaram reciclar de maneira definitiva a história do homem-aranha para que o super-herói pudesse mais uma vez "caber" nas salas de cinema mundo afora. Para fazer isso, o roteiro brinca com as mais inventivas versões do homem-aranha, que se encontram em uma mesma dimensão apesar de suas diferentes realidades paralelas. O filme, desde o início, utiliza da auto-referência para explicar ao público a sua proposta, o que é uma atitude inovadora e ao mesmo tempo corajosa do roteiro, que invoca todo o passado cinematográfico do herói: o bem e o mal sucedido.
Não só a temática principal, que é o encontro de realidades paralelas do homem-aranha, mas toda a concepção gráfica da animação é muito diferente de tudo o que foi produzido sobre o herói no cinema até então. Aliás, arrisco dizer que em termos visuais esta é a animação mais impressionante do gênero e deve entrar para a história como uma espécie de marco e referência na abordagem de super-heróis no cinema, seja o animado ou convencional. Ao assistir "Homem-Aranha no Aranhaverso" o impacto não é muito diferente de quando lemos "Watchmen", de Alan Moore, nos quadrinhos pela primeira vez, por conta da quebra de paradigmas que as duas obras tem em comum. O protagonista, por exemplo, não é Peter Parker, mas Miles Morales, um jovem negro de ascendência porto-riquenha, morador do Brooklyn, em Nova York. As demais versões do homem-aranha que surgem no decorrer da história são também muito representativas: uma mulher, uma jovem asiática e um porco que se parece bastante com o Gaguinho, da Looney Tunes.
Os traços dos personagens respeitam a concepção e origem de cada um deles, o que faz da animação uma experiência artística muito eclética e até mesmo surreal nos momentos em que as dimensões parecem se confundir, colorindo a cidade de Nova York e fazendo um cidadão questionar se aquilo que via não seria uma nova arte urbana de Banksy. Há algumas outras referências bem humoradas, como a homenagem a Stan Lee (o criador do homem-aranha, falecido em 2018), quando o jovem Miles Morales compra uma fantasia barata de homem-aranha para disfarçar-se de verdade em sua cidade. A trilha sonora é de autoria de um compositor inglês que há havia trabalhado com Ridley Scott e também em um episódio de Black Mirror. Há uma canção-tema, do Post Malone, e de modo geral todas as músicas tem uma pegada moderna - quase todas eletrônicas - e são certamente um dos pontos altos do filme que, embora aparentemente se passe nos tempos atuais, passa a impressão de ser uma obra futurista por causa da tecnologia empregada pelos vilões. Os vilões, inclusive, seguem a mesma lógica da multiplicidade de homens-aranha e são alguns dos inimigos mais clássicos do herói reunidos em uma só dimensão.
"Homem-Aranha no Aranhaverso" não é bem um desenho animado para crianças. É a primeira experiência do herói como filme de animação e creio que pela qualidade da obra o filme renderá continuações, que dificilmente terão o frescor e o impacto de novidade desta versão. Os fãs mais hardcore são provavelmente os que mais se satisfazem vendo a história de Miles Morales, enxergando todas as referências que o espectador regular não vê em um filme longo com quase duas horas de duração (e cena pós-crédito!). Será naturalmente o vencedor do Oscar de melhor filme de animação e ficará na história do cinema como um novo padrão de qualidade para desenhos animados do gênero, sobretudo na categoria dos filmes de super-herói, que estão cada dia mais padronizados e que somente vez ou outra são um pouco oxigenados, como aconteceu com a trilogia de Christopher Nolan para a franquia do Batman. Ao sair do cinema depois de assistir este filme do homem-aranha, a sensação que temos é que há um grupo de animadores muito inspirado por trás deste desenho memorável.
Nenhum comentário:
Postar um comentário