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segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Parasita


"Parasita", de 2019, foi um dos filmes mais comentados e prestigiados no início de 2020. O longa sul-coreano foi dirigido por Bong Joon-ho (que também co-escreveu o roteiro) e acumulou prêmios em festivais pelo mundo afora, dentre eles o Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro, a Palma de Ouro no Festival de Cannes e recebeu seis indicações ao Oscar, vencendo na categoria de diretor, roteiro original e melhor filme, feitos inéditos para uma obra não-falada em inglês. Por essas e por outras razões, o diretor Bong Joon-ho vive hoje o melhor momento da sua carreira, cujos filmes de maior destaque até então incluíam "O Hospedeiro" (2006) e "Okja" (2017).

É difícil falar de filmes que deveríamos comentar o menos possível para que o público tenha uma experiência completa ao assisti-lo. Mesmo assim, vou escrever aqui no blog de maneira que eu não antecipe nada do roteiro, mas ao mesmo tempo deixe os leitores interessados em correrem ao cinema para ver o filme mais comentado do momento. "Parasita" é uma daquelas obras capazes de hipnotizar a plateia, por criar a todo momento a expectativa de que algo importante vai acontecer, desde o princípio da história.

Esta técnica hipnótica é uma influência clara e confessa de Alfred Hitchcock, que o diretor Joon-ho revelou ter sido uma de suas inspirações para a criação do filme. Assim como o diretor inglês, o cineasta sul-coreano atrela alguns acontecimentos de seu filme a existência de objetos e símbolos importantes na história, sendo o mais importante deles uma pedra que vemos logo no início do filme (o que poderíamos chamar de McGuffin nos filmes de Hitchcock). A mera existência daquela pedra já é motivo para criar em todo o cinema um grande clima de ansiedade sobre o que irá acontecer na história. Desde os primeiros minutos, Joon-ho já tem o total controle de seu público.

Os irmãos golpistas de "Parasita". O celular é uma constante no filme, assim como na vida real.

Outro ponto importante de ser comentado sobre "Parasita" é que assim como uma série de filmes do gênero suspense (e neste filme há inclusive algumas pequenas doses de terror), o cenário dos principais acontecimentos da história ocupa um papel muito importante no roteiro. No caso específico do filme sul-coreano, uma casa luxuosa foi projetada exclusivamente para atender aos desígnios do diretor e roteirista para desenvolver a narrativa.

É impossível pensar em "Parasita" e as suas principais metáforas sem que levemos em consideração o papel que as casas de seus personagens ocupam no roteiro, tanto no núcleo pobre mas principalmente no núcleo rico, onde a mansão e as suas camadas apontam para interpretações que vão além das telas e alcançam a sociologia, a política e a filosofia. "Parasita" é uma comédia aterrorizante sobre a desigualdade social, a consciência de classe e a ocupação dos espaços urbanos (públicos e privados) pela sociedade sul-coreana, que é no filme tomada como um microcosmo da sociedade capitalista como um todo.

O interior da casa-cenário de "Parasita", em contraste com a moradia abaixo, situada na periferia da cidade.


Os irmãos lutam por um sinal de celular em sua casa bastante precária e hermética, na parte baixa da cidade.

A ambiguidade do título do filme talvez seja um de seus elementos mais fascinantes, pois a figura do parasita e dos seres humanos aproveitadores permite que a obra tenha múltiplas e coexistentes possibilidades de interpretação, de acordo com relação de empatia que surge entre espectadores e personagens em cada momento da história. O ato de parasitar se manifesta em diferentes formas e níveis, tanto em perspectiva ascendente quando descendente, em uma sucessão de degraus metaforicamente representados a todo momento no longa, sejam nas escadas da mansão-cenário da obra ou nas escadarias vertiginosas que carregam a família pobre em um dia de chuva, arrastados como ratos até a sua casa em uma região abissal da metrópole sul-coreana.

É como se o esgoto fosse o destino final da população pobre em dias de tempestade - uma cena vista com especial tristeza por aqueles que acompanham os noticiários atuais no Brasil. A câmera de Bong Joon-ho trabalha com propriedade, nos colocando como espectadores presos e angustiados com o destino dos anti-heróis charlatões de "Parasita".

A chuva é um elemento que retira ainda mais a dignidade da vida dos protagonistas de "Parasita".

Aqueles que amam o cinema irão se deleitar com este filme humano e espirituoso."Parasita" guarda o mérito de divertir o público e e ao mesmo tempo fazê-lo pensar o seu lugar na sociedade em que vive, dando a possibilidade de podermos rever nossos preconceitos e comportamentos diante daqueles que ocupam posições superiores ou subalternas em nosso cotidiano. O filme sul-coreano trabalha até mesmo com relações sensoriais, principalmente o olfato, ao abordar constantemente o cheiro como fator de distanciamento social e intolerância dos ricos perante os pobres.

"Parasita" é ao mesmo tempo uma tempestade e um céu azul no cinema da década de 2020. O longa vencedor do Oscar vai virar uma minissérie na HBO e deve servir como mais uma motivação à crescente valorização do cinema internacional por Hollywood.

2 comentários:

  1. Adorei! Depois de ler fiquei com mais vontade de assistir.

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  2. eSTOu DOidA PrA ASsIstIR!!! ÓtIMo TExto! Vc DEveRia DIvULgAR maIs esSE bloG! :) XOXO

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