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quinta-feira, 16 de abril de 2020

Trágica Obsessão


Este é um cult movie de Brian De Palma, lançado em 1976, ainda no início da carreira deste cineasta que ficaria bastante notabilizado como um expoente do gênero suspense e da geração de diretores chamada de "nova Hollywood", representada também por nomes como Martin Scorsese, Steven Spielberg, Francis Ford Coppola, William Friedkin, entre outros grandes nomes do cinema da década de 60 até meados da década de 80.

Uma das características do cinema da "nova Hollywood" é um maior controle autoral dos cineastas sobre os trabalhos por eles assinados, ao contrário da fase anterior do cinema do pós-guerra, marcado pela prevalência do interesse dos estúdios sobre os artistas criadores. Há quem diga, no entanto, que este termo descreve menos um movimento do que um período do cinema dominado por diretores notáveis e muito celebrados.

Martin Scorsese (à esquerda) e Brian De Palma, na época das filmagens de "Trágica Obsessão". Dois expoentes da "nova Hollywood".

A ideia para "Trágica Obsessão" partiu do próprio De Palma e o roteirista Paul Schrader, muito inspirados pelo conceito do clássico "Um Corpo que Cai" (1958), de Alfred Hitchcock. Influenciados pelo thriller de Hitchcock sobre um homem iludido por uma mulher misteriosa, De Palma decidiu contar uma história muito semelhante, situando-a em Nova Orleans e Florença. Trata-se de um mistério sobre um homem rico norte-americano que tem sua filha e esposa sequestradas.

Ele decide seguir o conselho da polícia e pagar o resgate com uma falsa mala de dinheiro, mas vê o seu plano frustrado quando o carro com os sequestradores foge dos policiais e se choca com um caminhão de combustível. Arrasado com a perda da família, o rico solitário viaja anos mais tarde para Florença com o seu sócio, até que encontra na Basílica di San Miniato al Monte uma sósia de sua mulher morta, pela qual se apaixona perdidamente.

Sandra (Geneviève Bujold) observa o quadro de sua antecessora, em "Trágica Obsessão". A semelhança com a imagem abaixo não é coincidência.
A personagem de Kim Novak em "Um Corpo que Cai", de 1958, contempla um misterioso quadro em dos filmes mais notáveis de Alfred Hitchcock.

Quando o personagem do homem rico, que se chama Michael, decide levar Sandra (a italiana pela qual se apaixona) para os Estados Unidos, fica muito claro que o mote de "Trágica Obsessão" é exatamente a fixação do protagonista em transformar a jovem que conheceu em uma réplica de sua esposa, por conta da incrível semelhança física entre elas. Ora, este é nada mais nada menos do que o tema do filme "Um Corpo que Cai", ainda que no caso do filme de Hitchcock haja um elemento a mais na história, que é a vertigem do personagem interpretado por James Stewart.

Mas as coincidências entre o filme de de De Palma e Hitchcock vão além das semelhanças no roteiro e também se manifestam nos métodos de filmagem empregados pelo fã em relação ao seu ídolo: De Palma usa e abusa de movimentos de câmeras semelhantes ao de Hitchcock, bem como alguns planos fechados típicos do diretor e até mesmo a movimentação de alguns personagens (como em uma cena que imita a maneira como o icônico Norman Bates apunhala sua vítima em "Psicose" (1960), por exemplo).

A Basílica di San Miniato al Monte, ponto turístico de Florença, é um local importante para a história do filme.

Embora De Palma ridicularizasse as comparações entre ele e Hitchcock, que de fato são risíveis quando pensamos na capacidade narrativa do aprendiz em relação ao mestre, é muito evidente a intenção do diretor de "Trágica Obsessão" em reproduzir um filme que admirava. Não é atoa que De Palma convidou Bernard Herrmann para compor a trilha de seu filme, o mesmo compositor que criou a música original de "Um Corpo que Cai" na década de 50.  Herrmann, como era seu costume, fez um belo trabalho (o seu canto do cisne, inclusive), que no entanto não conseguiu salvar o filme de um excesso de sentimentalismo e uma grande morosidade que o assola especialmente da metade da história pra frente.

A produção do longa não teve sucesso em cooptar bons atores para o elenco principal e acabou contando com um trio de atores pouco conhecidos, entre os quais Cliff Robertson (que interpretou muitos anos depois o Tio Ben, na trilogia do "Homem Aranha" iniciada em 2002) e a canadense Geneviève Bujold, que interpreta Sandra, certamente o ponto alto do elenco, com uma atuação competente em um papel difícil e ambíguo.

Bernard Herrmann, que na foto dorme sob o olhar reprovador de Hitchcock, escreveu trilhas clássicas no cinema e venceu um Oscar em sua carreira, por "O Homem que Vendeu a Alma", de 1941.

Segundo contam, Hitchcock viu o filme e não gostou, o que é de se imaginar considerando que depois da empolgante cena do sequestro, ainda no início do filme, a obra claramente não tem uma história para contar. Naquele mesmo ano o lendário diretor inglês lançou "Trama Macabra" (o seu último filme), já comentado aqui no blog, uma obra muito melhor do que esta réplica-homenagem de De Palma. "Trágica Obsessão" é uma obra conduzida por um cineasta competente, mas que falhou ao filmar um roteiro pueril e inverossímil. Curiosamente, estes dois adjetivos também costumam descrever "Um Corpo que Cai", mas naquele caso havia um bom elenco e um diretor que optou por não reproduzir o trabalho de ninguém, mas apenas contar uma boa história.

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